Lendo uma biografia de Anne Sexton, dei de cara com uma das melhores declarações que um poeta pode receber (ou, ao menos, o nervo sensível que na minha cabeça move o verdadeiro leitor de poesia): “Não sou leitora de poesia, mas leio Anne Sexton”. Acredito mais em poetas do que na palavra “poemas”. Acredito na faca só lâmina de João Cabral. Na sensualidade nostálgica de Manuel Bandeira. Nos falsos diários de Ana Cristina César. Nas imagens de horror doméstico de Sylvia Plath. E em Paulo Henriques Britto.


Meu primeiro contato com sua obra foi a partir das traduções de Elizabeth Bishop (tradução de poesia é poesia, uma “outra” poesia). Suas versões souberam transmitir tão fortemente o impacto de que perder é mais fácil do que se pensa e a solidão de um Crusoé, ilhado, na contemplação obsessiva do seu isolamento (talvez deliberado, talvez não...). Só depois, bem depois, que fui ter contato com sua assinatura pessoal como poeta. Foi um grato caminho sem volta. Sua obra mais recente, Formas do nada, só ressaltou minha impressão inicial: sim, acredito em Paulo Henriques Britto. E muito.

 

O livro magro e conciso (como devem ser os volumes de poemas que não querem se perder no excesso de palavras, que não podem exceder o espaço mínimo com que o verso precisa nos colocar em nocaute) narra, conta e contamina as tais formas do nada de que fala o título. E por “nadas”, é claro, pensamos justamente em acontecimentos centrais para compreendermos o que é necessário para que o mundo faça sentido, ou esvazie de sentido, ações que só um grande autor pode nos fazer enxergar. Paisagens internas, cartões-postais que fotografam e enviam aquilo que carregamos lá dentro.


É o caso de Circular: “Neste mesmo instante, em algum,/ alguém está pensando a mesma coisa/ que você estava prestes a dizer./ Pois é. Esta não é a primeira vez./ Originalidade não tem vez/ neste mundo, nem tempo, nem lugar./ O que você fizer não muda coisa/ alguma. Perda de tempo dizer./ Mesmo parecendo que desta vez/ algo de importante vai ter lugar,/ não caia nessa: é sempre a mesma coisa.”. Em outro trecho, mais à frente, é direto ao nos sentenciar: “Todas as soluções são boas/ menos a que você escolher./ Escolha, sim, (Mesmo que doa,/ dá uma espécie de prazer.)”


Em Horácio de baixo, o poeta se diz independente de mandalas, horóscopos e oráculos: “Tentar prever o que o futuro te reserva/ não leva a nada. Mãe de santo, mapa astral/ e livro de autoajuda é tudo a mesma merda./ O melhor é aceitar o que de bom ou mau/ acontecer. O verão que agora inicia/ pode ser só mais um, pode ser o último -/ vá saber. Toma o teu chope, aproveita o dia,/ e quanto ao amanhã, o que vier é lucro.”