“Deixai toda esperança, ó vós que entrais!”, a frase de Dante, em seu Inferno, poderia servir de epígrafe para o livro 14 Contos de Kenzaburo Oe, que a Companhia das Letras acaba de publicar no Brasil. Embora o inferno propriamente dito só apareça no conto O homem sexual, a maioria das narrativas do escritor Nobel de Literatura, selecionadas e traduzidas por Leiko Gotoda, são repletas de uma náusea consciente – por mais que travestida de loucura, se não for mesmo loucura a extrema consciência – sobre o quão é penoso estar no mundo.

 

Em Exultação, que conta a história do relacionamento entre um diretor cinematográfico e uma atriz ninfomaníaca – a sexualidade é tema recorrente na obra de Oe –, a personagem masculina chega à conclusão, diante do suicídio da mulher, de que não há nada realmente importante na Terra. “Ponham-se então na pele daqueles que, sabendo disso, tudo têm de suportar, em silêncio, e continuar a viver”, conclui.

 

Não obstante a morte ser tratada como escapatória da náusea, para o escritor é amedrontante lidar com ela. Em Seventeen, que tematiza o fanatismo ideológico, o terror é claro: “Toda vez que o medo da morte toma conta de mim, fico enjoado e acabo vomitando. A morte que eu temo é aquela em que, depois desta curta vida, eu teria de suportar centenas de milhões de anos na inconsciência, zerado”.

 

De modo que a saída encontrada é, na maioria das vezes, deixar de viver no tempo real, como D, o personagem de Aghwii, o monstro celeste, que, incapaz de lidar com o assassinato autorizado de seu filho acéfalo, se nega a interferir no cotidiano da cidade e guarda suas palavras para “um bebê do tamanho de um canguru” que desce do espaço para conversar com ele. Da mesma maneira, o personagem de Os pássaros vive em seu quarto, cercado apenas pelas aves imaginárias. O de A convivência tem seus dias vigiados por quatro macacos.

 

Embora não seja difícil tomar como universais os assuntos tratados por Kenzaburo Oe, nitidamente há neles muito da cultura japonesa. Seja em suas referências literárias, na política ou nos costumes retratados. Porém, essa presença se dá, principalmente, no silêncio constante em seus textos e na opção por trazer os animais para a história. Ambos remetem a Oe, que nasceu em uma aldeia isolada, envolta em uma tradição de misticismo.

 

“Sobre o que não podemos falar, devemos silenciar”, lembra Arthur Dapieve, citando Ludwing Wittgenstein, na introdução do livro dessa estreia do autor japonês no Brasil. Se não consegue falar, Oe se cala, sabendo, contudo, que na literatura existem entrelinhas. Em seus textos, elas falam uma a uma que “aos velhos não existe esperança”, citação de Céline, em A dor de uma história, último conto do livro. A verdade é que esse mundo é mesmo muito velho.

 

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