Estamos de volta ao local do crime, ao momento em que o escritor chileno Roberto Bolaño revelou que seu desejo maior não era a escrita, mas a investigação policial. Que ele gostaria de ter sido alguém capaz de retornar sozinho, no meio da madrugada, em busca de mais e melhores pistas. Sonhava em ficar parado diante do corpo, antes da chegada de outros colegas ou de possíveis testemunhas. Escorregar em poças de sangue e descobrir os porquês do criminoso, talvez mais que sua real identidade.


A declaração de Bolaño de que gostaria de ser investigador de polícia tornou-se uma das mais iluminadas para entendermos a literatura contemporânea: na verdade, todos os escritores são detetives, de uma forma ou de outra. Procuram a palavra ideal, se assustam, mas precisam seguir sombras desconhecidas e não podem exorcizar fantasmas: deles é feita a literatura. O importante não é capturar o criminoso, mas fazer o “trauma” do crime ecoar.


O paulistano Julián Fuks foi um grande “detetive” na sua estreia com os contos de Histórias de literatura e cegueira, uma das melhores surpresas da literatura brasileira da década passada. Lançando mão de apócrifas biografias de James Joyce, Jorge Luis Borges e  João Cabral, Fuks procurou compreender como se ergue um mundo no escuro, como é a experiência de olhar sem ver, quando a ficção é feita justamente de um olhar “através”, que muitas vezes depende de uma certa “cegueira” perante o real.


Seu novo livro, procura do romance (sim, escrito em minúsculas, talvez para não “hierarquizar” sua busca), persiste no tema da investigação. Como se encontra o tema de um livro? Como gerar interesse com as metáforas de sempre, quando todos os recursos poéticos já parecem ter sido usados? Enigmas que só um detetive-escritor, um detetive selvagem, parece capaz de responder – ou melhor dizendo: de elaborar de forma mais exata esses mesmos enigmas.


Trajiste la llave?” é a pergunta que abre o romance, nos esclarecendo (esclarecendo?) o quanto a obra é um longo questionamento sobre os mecanismos que dividem o mundo entre realidade e fantasia, entre memória e criação. O alter ego do autor está enclausurado (talvez sem a tal da chave) numa Buenos Aires silenciosa e mofada, em busca de um livro que ele próprio não sabe se vai conseguir escrever. Mas escrever para quê mesmo?
“Existe uma história? Se a inefável instância da experiência tão logo se dilui em nada, turva lágrima e densa névoa, antes mesmo de se deixar perceber, compreender, concatenar a outros domínios igualmente evanescentes. Existe uma história? Se o tempo, com tal empenho e desfaçatez, cuida de dissolver também as marcas físicas dos acontecimentos antológicos ou corriqueiros” - se perturba, no seu labirinto com minotauro.

 

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