Ilustração

 

 

Você ainda vai ouvir muito que Asterios Polyp é o melhor lançamento em quadrinhos do ano, mas ele é provavelmente mais do que isso. Vencedora do maior prêmio das HQs, o Eisner, a obra tem colecionado críticas elogiosas e até mesmo atenção acadêmica desde que saiu nos Estados Unidos, em 2009. Agora, ela sai no Brasil, traduzida pelo escritor Daniel Pellizzari, em uma cuidadosa edição do selo Quadrinhos na Cia.


O livro contra a história de Asterios, um renomado arquiteto, famosos por construções que nunca saíram do papel. Autocentrado e convencido, ele começa o livro em uma crise, agravada por um incêndio que destrói seu apartamento e todos os seus bens. Tomando o acidente como uma espécie de sinal, ele vai para a pacata cidade de Apogee, disposto esquecer e entender seus erros no passado, principalmente os que o fizeram acabar o seu relacionamento com a artista Hana.


Responsável por algumas das obras mais importantes dos anos 1980, junto com Frank Miller, Mazzucchelli parece ter feito Asterios Polyp ciente que construía sua obra-prima. É um livro, como conta André Conti, da Companhia das Letras, responsável pela edição nacional, pensado nos detalhes – cada aspecto da narrativa original se relaciona harmonicamente com o formato da página, a paleta de cores e a tipografia, por exemplo. Tudo que soa como pretensão, quando descrito é harmônico, singelo e profundo dentro do quadrinho: não é à toa que o leitor não sabe, em certos momentos, se deve acompanhar a narrativa ou simplesmente obversar as invenções cuidadosas do autor.


Mazzucchelli consegue criar algumas das páginas e sequências mais impressionantes das HQs ao brincar com recursos próprios da linguagem, mas sem nunca transformar a obra em um mero laboratório de experimentalismos. Para a fala de cada um dos personagens, o autor reserva uma caligrafia diferente, que se casa em alguma medida com a própria personalidade ou função deles na narrativa.


Em outro momento, trabalhando com a hipótese de que cada pessoa vê o mundo de uma forma diferente, a partir da extensão de sua própria personalidade, Mazzucchelli constrói uma metáfora visual poderosa. Usando a versatilidade de seu traço, ele desenha Asterios como um conjunto de forma geométricas puras, em azul, enquanto Hana é feita de rabiscos instáveis, em rosa, e os dois se contaminam, se misturam, à medida em que vão se conhecendo - assim como se isolam na sua forma de ver e pensar quando, em certo momento, brigam. É nessa deslumbrante alegoria que vemos como o mundo cartesiano, racional e arrogante do arquiteto pode se juntar à beleza, à organicidade e à fragilidade da artista plástica. É como se, para Macchuzzelli, se apaixonar fosse eliminar as fronteiras, passar a carregar em apenas um corpo duas pessoas.