Com exceção de La literatura nazi em América, o melhor da obra de Roberto Bolaño (1950-2003) já ganhou edição nacional pela Companhia das Letras. Mas há uma outra faceta do escritor chileno que os fãs de 2666 e Os detetives selvagens precisam conhecer: o exímio frasista, que fazia de qualquer entrevista um acontecimento à parte.

 

Numa conversa com jornalistas, ele não poupava frases de efeito e declarações, muitas vezes, contraditórias. Como ainda não foi feita uma biografia sua competente, estas entrevistas acabam sendo a bússola para entendermos o charme da sua figura controversa. O que pode ser problemático.

 

Bolaño criou não apenas a obra da literatura hispano-americana mais discutida nesse começo de século. Também criou uma vida pública cercada de incertezas. Ganhou certa aura de herói das letras: o latino-americano exilado que viveu de maneira errante até se estabelecer na Espanha e fazer nome como ficcionista, após sobreviver a um período de pobreza radical. Certos episódios de sua trajetória ocupam a zona indecisa entre lenda e realidade. É o caso da história de que teria sido preso no Chile, em 1973, logo depois do golpe de estado que levou o general Augusto Pinochet ao poder. Amigos de Bolaño, ouvidos em uma reportagem do jornal norte-americano The New York Times, acreditam que ele já estava a salvo no México durante o 11 de Setembro chileno. A mesma reportagem traz histórias que falam de um vício em heroína, mas alguns amigos insistem em dizer que ele não era consumidor de drogas. Em quem acreditar? Talvez em ninguém e continuar sem se importar com o frágil veredito da verdade.

 

Bolaño, o frasista, pode ser lido em Roberto Bolaño: Últimas entrevistas, que ganhou há pouco edição em português pela editora portuguesa Quetzal (ainda sem edição no Brasil). Como o título indica, a obra reúne as derradeiras conversas do escritor com a imprensa, (na) época em que ele já ensaiava a mitificação completa da sua persona, com o sucesso de Os detetives selvagens.

 

No volume, o destaque é a entrevista concedida no mês da sua morte, julho de 2003, para a revista Playboy. Aqui, um Bolaño contemplativo discorre e projeta ainda mais sombra sobre sua mitificação, ao falar de seus autores, de eleição, amor e sua relação com o Chile,­ país cuja memória persegue sua obra, ainda que por subtração. Numa das passagens, faz uma declaração reveladora para os iniciados no tom tenso e cheio de pistas falsas das suas narrativas. A repórter pergunta o que ele gostaria de ter sido, se não fosse escritor. Sua resposta não soaria deslocada numa das partes labirínticas de 2666: “Gostaria de ter sido detetive de homicídios, muito mais do que escritor. Disso estou absolutamente certo. Um policial de homicídios. Alguém que pode voltar sozinho, de noite, à cena do crime e não se assustar com fantasmas”.

 

Coletânea
Últimas entrevistas
Editora - Quetzal
Preço - R$ 10
Páginas - 122