A obra de Lourenço Mutarelli é marcada pelo registro e evidenciação da degradação da realidade. Seus personagens típicos são homens comuns, sujeitos à desumanização, que se deparam com um mundo que progressivamente se torna estranho. De onde vem esse odor insuportável que o narrador de O cheiro do ralo sente? Por quê ele nunca passa?

O enigma, policial como os livros que o protagonista lê, é kafkiano, surreal, rápido. A estreia literária de Mutarelli já traz uma das principais características do elogiadíssimo A arte de produzir efeito sem causa, que é mostrar o estado mental de um personagem a partir da narrativa em fluxo de consciência, que se torna mais confusa e rápida com o caminhar da história. Enquanto mergulhamos nas frases curtas desse dono de uma loja de quinquilharias, um homem que “se parece com aquele cara do comercial do Bombril”, o que parecia vir antes de um problema nos encanamentos agora pode vir do próprio protagonista – e parece que nunca vamos ter certeza de nada, porque só lemos suas palavras. (Diogo Guedes)