Talvez uma coisa não tenha a ver com a outra, mas achei honesto começar com a seguinte confissão: não sei fotografar, nem tenho o mínimo grau de intimidade com a câmera, mas um dos meus livros favoritos é Sobre a fotografia, de Susan Sontag. Para além de qualquer reminiscência sobre técnica, a crítica norte-americana nos ensina a ver, ou melhor “a ver através” - e cada um de vocês que escolha o que implica esse “através”. “Fotografar é se apropriar da coisa fotografada”, diz uma das frases mais famosas do ensaio. O simples ato de olhar também é se apropriar de um objeto. Quem observa, lança um comentário.
A crítica trata a fotografia como uma espécie de fantasma, um espectro que potencializaria todos os nossos medos e desejos “ Toda fotografia é um memento mori. Uma chance de participarda mortalidade de alguém”, atesta Susan, outra vez certeira. Para quem também entende a fotografia para além da técnica, acaba de ser lançado Por trás daquela foto, em que autores problematizam ideias e histórias a partir de suas fotografias favoritas. Com organização de Lilia Moritz Schwarcz e de Thyago Nogueira, traz textos de nomes como Humberto Werneck, Pedro Vasquez, Moacyr Scliar e Nina Horta. Todos reunidos na tarefa de responder a uma só pergunta: quantas histórias guarda uma imagem?
O ponto de partida dos organizadores lembra a razão do meu afeto por Sobre a fotografia: “A fotografia é como o buraco ou o espelho de Alice: a porta de um mundo de um mundo de maravilhas a um só tempo estranhas e familiares, visíveis e imprevisíveis. Quando erguida entre os dedos, pode dar a impressão de ser apenas uma fatia congelada da realidade”.
Apesar da irregularidade dos textos, a coletânea é uma boa prova de que qualquer fotografia encerra dentro de si um sem número de narrativas – tal e qual um texto literário, em que uma narrativa seria capaz de abrigar “todas as narrativas do mundo”, como já sonhou Roland Barthes.
Talvez o texto que melhor represente a ideia que Por trás daquela foto defende é o ensaio do crítico e escritor Arthur Nestrovski para uma imagem de PierreVerger. Nestrovski parte da sua perplexidade diante de uma cena do Carnaval baiano dos anos 1943 e discute um tema – aparentemente - tão distante quanto Barack Obama.
O texto começa com aquele exercício tão comum, que é o de imaginar uma narrativa, alguma ação, onde “só” se avista imagem: “a moça, tão linda, de vestido branco e turbante, um colar também branco no pescoço, olhando pra frente com um sorriso que ainda não abriu. Todos, na verdade, estão de boca fechada. Ou estamos num intervalo instrumental, antes da volta do samba cantado.” Talvez a descrição de Nestrovski esteja bem longe daquilo que Verger, de fato, “viu” ao flagrar esse grupo de carnavalescos. Mas tanto faz. De Verdades, com maiúsculas, nunca foram feitas as fotos (tal e qual Susan já havia nos ensinado) ou as melhores narrativas.
Ensaios
Por trás daquela foto
Autora - Vários autores
Editora - Companhia das Letras
Preço - R$ 39
Páginas – 184