Meu primeiro contato com Dorothy Parker foi inesquecível. Não que algo estranho tivesse ocorrido, pelo contrário. Nada acontecera e, por isso, talvez, nunca esqueci. Estava na Inglaterra, cursando um daqueles intercâmbios para adolescentes, e a janela da minha sala de aula dava para um cemitério. Piorando a coisa, era inverno (ou seja: a vista do cemitério ficava lúgubre ao quadrado), meus companheiros de turma não eram a coisa mais interessante do mundo e os textos que éramos obrigados a estudar não ajudavam. Mas teve um dia que a professora – gordinha, sardenta e de voz aguda, cujo nome me escapa – levou uma “certa” xérox. A história falava de um cara que acorda com uma ressaca monstra e não se lembra bem do que havia feito na noite passada. Sabia que algo errado acontecera, mas exatamente o quê?

Ao seu lado, uma inimiga disfarçada de amiga ou ex-amante (não fica claro o papel dessa personagem na trama, apenas que sua identidade é dúbia), fazia questão de relembrar todos os vexames cometidos, mas sempre seguidos por um “Mas você estava ótimo”. Na historinha, por trás do humor engraçadinho e banal, era possível visualizar alguns coágulos: corria ali solidão, um jogo sadomasoquista, excessos e abandono emocional. Não entendi muito bem todas as camadas da trama na primeira leitura. Mas guardei uma certeza: aquele não parecia um texto voltado para adolescentes com tédio, que pensavam apenas em como driblar a lei e encher a cara de tequila até o começo da madrugada.

Não, eles (no caso: nós) não tinham biografia necessária para tanto. Lembro que discutimos a trama sem muito interesse, enrolando os minutos até que a sineta soasse. Por precaução, guardei aquela xérox comigo. E a reli durante várias anos.

Esse foi meu primeiro contato com Dorothy Parker e agradeço àquela professora que não  lembro mais o nome pela apresentação. Até hoje me pergunto o que ela quis dizer nos entregando aquela história. Foi proposital? Penso que sim. Ela, assim como as personagens de Dorothy, parecia uma mulher que se escondia atrás de várias membranas protetoras. Não sei mais explicar o porquê, mas parecia.

No meio do curso, ela precisou ser substituída por algumas semanas, porque seu apartamento se incendiara. Morava sozinha. Ao retomar as atividades, lembro que não houve qualquer comentário sobre a tragédia. Estrangeiro, fiquei na dúvida se não seria de “bom tom” dizer que sentia muito pelo ocorrido. Fora de casa, a gente nunca sabe bem o que dizer. Dorothy iria além: em qualquer circunstância, a gente engole o necessário e se salva com ironias, silêncio ou pela espinhosa educação de um “Mas você estava ótimo”.

Já comprei umas três coletâneas de Dorothy Parker, mas elas foram fugindo da minha estante. Mês passado, reencontrei Dorothy Parker numa edição de bolso da Penquin, The Sexes. Aqui correm os mesmos temas daquele conto que li pela primeira vez. Espero que esse livro também não suma. A tal xérox guardo até hoje.

Contos
The Sexes
Autora - Dorothy Parker
Editora - Penguin
Preço - U$ 2
Páginas – 96