Quem nunca fez uma sessão de análise, talvez estranhe, mas para quem é experiente no “ramo” as próximas linhas serão familiares: pronunciadas, as palavras têm um valor diferente do que quando as pensamos em nossas representações verbais. Falar implica em dar ênfase, trocar ou engolir determinada expressão. Ao falar, selecionamos, damos forma ao mundo. Mas o que fazer quando, no divã, nos deparamos com o silêncio? Isso é “normal”? Bem, para começar, “normal” não é dos conceitos mais convidativos para a Psicanálise. Encaramos horas e horas nos abrindo (ou ao menos tentando) para um desconhecido para entender que, se sentir esquisito, faz parte do pacote de estar vivo.

Há algumas semanas, comentei com uma amiga meu estranhamento diante de longos silêncios durante minhas consultas. Ela, irônica como sempre, veio logo dizendo: “isso nunca me aconteceu, eu sou a pessoa mais falante do mundo na análise”. É claro que sua declaração foi exagerada. Como em tudo na vida, até o rendimento no divã é motivo de competição. Tudo hoje em dia é performance, até o numero de atos falhos.

Sim, mas e o silêncio? O que fazer com ele? Quem nos dá a resposta é o psicanalista e psiquiatra J.D. Nasio, que escreveu e compilou uma série de artigos sobre o tema em O silêncio na Psicanálise, obra profunda e, ainda assim, acessível aos leigos. Sua declaração inicial, já coloca por terra a obsessão por mais e melhores palavras da minha citada amiga: “O silêncio está sempre presente numa sessão de análise, e seus efeitos são tão decisivos quanto os de uma uma palavra efetivamente pronunciada. Silêncio do paciente ou do analista, silêncio crônico ou efêmero, silêncio de resistência ou de abertura do inconsciente, ele constitui um fato analítico de primeira importância no desenrolar de um tratamento e coloca aos clínicos um problema de técnica psicanalítica, tão antigo quanto o da livre associação.”

Nasio reúne  aqui ensaios clássicos sobre o tema. É o caso de No início é o silêncio, do austríaco Theodor Reik, de 1926. Texto essencial e pioneiro. Reik nos lembra o quanto a ausência de palavras é um tabu numa sociedade viciada em ouvir sua própria voz e nos lembra que “O analista não escuta somente o que está nas palavras, ele escuta também o que as palavras não dizem.  Escuta com a ‘terceira orelha’, escutando o que dizem o paciente e suas próprias vozes interiores, o que surge de suas profundezas inconscientes. Um dia Mahler fez esta reflexão: ‘Em música, o mais importante não está na partitura’. O mesmo vale para Psicanálise, o que não é dito não é o mais importante’”. Então, nos momentos em que as palavras faltarem, relaxe e faça como aquele clássico da pista de dança do Depeche Mode, Enjoy the silence. Aproveite o silêncio.

Psicanálise
O silêncio na Psicanálise
Autor - J. -D. Nasio
Editora - Zahar
Preço - R$ 32
Páginas - 264