Uma espécie de “antropologia cruel”. É assim que o jornalista de guerra, Peter Beaumont, descreve o seu ofício de ir em meio a conflitos armados para procurar histórias. Em A vida secreta da guerra, lançamento do selo de Jornalismo Literário da Companhia das Letras, o repórter britânico mostra como a guerra é construída a partir do medo, do orgulho e da belicosidade. Mais do que colocar o leitor dentro do ambiente do conflito, papel de todas as grandes reportagens de guerra, Beuamont busca elucidar como se dão as guerras atuais e que fazem os jornalistas dentro desses ambientes caóticos.

Assim, ele está interessado tanto no semelhante quanto no dessemelhante dos conflitos que acompanhou durante duas décadas, em locais como a Faixa de Gaza, o Iraque, o Afeganistão, o Líbano e os Bálcãs. O texto frio, descritivo e psicologicamente pesado de Beuamont, mais próximo de uma obra como Hiroshima, de John Hersey, do que do jornalismo literário mais famoso, como o novo jornalismo de Gay Talese ou Tom Wolfe, nos apresenta as novas guerras “assimétricas”, definidas pela ausência de dois estados consolidados se enfrentando.

A profundidade de A vida secreta da guerra, no entanto, não está apenas na análise das áreas cinzentas do conflito, na humanização dos personagens envolvidos nele. O relato de Beumont é único porque trata também a cobertura como uma questão central da guerra. Assim, o livro sugere que o jornalismo de guerra hoje é um campo dominado pela imagem – o impacto e o choque das imagens e vídeos da guerra são o principal contato do público com o conflito, o que faz Beuamont apontar as cenas de explosão como a pornografia da guerra.

A intenção de Beaumont é mergulhar psicologicamente dentro da guerra e na cabeça de quem a presencia. Assim, em A vida secreta da guerra, o papel do repórter é o de fazer o leitor ter uma experiência próxima à do que acontece em um conflito. Dentro de sua frieza narrativa, o britânico se questiona  com frequência sobre o que faz uma pessoa escolher estar ali e o que faz um jornalista ir atrás da ação do front. Sua análise é uma justificativa do próprio impulso que o move em direção à cobertura das guerras: para os repórteres, testemunhar a guerra apenas de dentro do hotel, ou dos locais seguros dominados por apenas um exército, chega a ser quase um sinal de covardia. É a autoanálise psicológica o principal elemento do relato de Beaumont.

Depois de conhecer a sede de sangue dos soldados e o ódio irreversível aos invasores, o leitor passa a entender o egoísmo e o orgulho que envolvem fazer a cobertura de uma guerra. Um dos momentos principais é quando Beuamont decide ir a mais uma guerra, apesar dos protestos de sua mulher e seu filho. E lá, ainda espera encontrar um conflito de verdade, para justificar sua ida. A guerra, ele admite, se torna uma necessidade para o jornalista que vive dela. “Sem guerra, sinto a minha identidade diminuída”. A vida secreta da guerra é literário no que carrega de psicológico.

Reportagem
A vida secreta da guerra
Autor: Peter Beaumont
Editora: Companhia das Letras
Preço: R$ 49
Páginas: 285



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