O leitor da década de 1950 teve um privilégio: o de poder saborear, todos os dias, as crônicas de uma geração genial de escritores. Rubem Braga, Antônio Maria, Clarice Lispector, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Rachel de Queiroz e Sérgio Porto são alguns dos nomes que publicavam pequenas joias na imprensa. Contestando aquela velha ideia de que a crônica teria prazo de validade, uma sequência de lançamentos tem resgatado o valor literário do gênero, de leitura fácil e grande aceitação popular. Obras como A fina flor de Stanislaw Ponte Preta, organizada pelo jornalista Alvaro Costa e Silva, ajudam a compreender, com renovado interesse, o impacto que a geração de cronistas de 1950 teve em nossas letras.
Nesse período, um dos acontecimentos mais marcantes foi a aproximação da crônica a outras linguagens da arte. Conforme os cronistas conquistaram liberdade para experimentar, a crônica, híbrida por natureza, com a guarda compartilhada entre o jornalismo e a literatura, foi ampliando suas possibilidades formais e temáticas. Inegável, por exemplo, o quanto de lirismo há na prosa de Rubem Braga.
Outro ponto importante dos anos 1950 foi a desgarrada e agitada sociabilidade do pós-guerra. Desde o início, quando a tarefa do cronista era costurar os eventos da semana, a crônica é bastante impactada pela vida social – são, sobretudo dos encontros, que surgem os assuntos e as situações. Com a vida profissional ainda pouco compartimentada, artistas de diferentes ramos se sentavam à mesma mesa nas boates do Rio de Janeiro: poetas, escritores, atrizes, jornalistas, compositores, pintores, cantoras. Desse fervo, a crônica saiu maior, com fôlego extraordinário e ares renovados.
Foi nesse contexto que Sérgio Porto – ou melhor, Stanislaw Ponte Preta, o pseudônimo que adotou – deu sua grande contribuição: aproximou a crônica do humor, em definitivo. É verdade que o gênero, dado ao episódico, sempre valorizou o causo e a anedota. E que os cronistas, podendo, tiram valor de pequenos achados lexicais e de um raciocínio ligeiro. Tudo isso facilita a descontração. Mas, de todos os cronistas do período, Stanislaw foi quem realmente levou o humor a sério.
Para tirar sarro do moralismo, o cronista, também jornalista, radialista e pesquisador de música brasileira, chegava a corromper a própria língua, errando pronomes e preposições de propósito. Seu estilo próprio antecipou um tipo de graça que, pouco depois de sua morte, foi consolidado em torno da geração de O Pasquim, o mais notável dos nossos semanários humorísticos. Com aguçada irreverência, Jaguar, Millôr Fernandes, Ziraldo, Sérgio Cabral e tantos outros criticaram a sociedade e a política descabida do regime militar, abusando da paródia e da caricatura. E mesmo que a liberdade de rir de todos, sem cerimônia, tenha feito com que algumas piadas envelhecessem mal para o leitor de hoje, mais atento a questões de gênero, raça e classe, o espírito de deboche foi assimilado por um certo estilo de vida. Tudo isso já estava nas colunas de Sérgio Porto. Não por acaso, a primeira edição de O Pasquim é dedicada à sua memória.
Não é exagero dizer que Stanislaw foi um dos cronistas mais lidos de seu tempo. Prova disso é a frequência com que foi publicado em livro, praticamente um por ano até sua morte, em 1968. Quase todos foram garimpados por Alvaro Costa e Silva para compor A fina flor de Stanislaw Ponte Preta. São eles: Tia Zulmira e eu (1961), Primo Altamirando e elas (1962), Rosamundo e os outros (1963), Garoto linha-dura (1964), Febeapá 1 (1966), Febeapá 2 (1967), Febeapá 3 (1968) e Bola na rede (1993), antologia póstuma.
Dos títulos, outra característica notável do cronista desponta: a habilidade de criar personagens célebres. Seja pela sabedoria secular de tia Zulmira ou pela cafajestagem do primo Altamirando, suas criações conquistaram o leitorado. Nos anos seguintes, somente Luis Fernando Verissimo seria capaz de superar a galeria de personagens de Stanislaw, com tipos como o analista de Bagé e a velhinha de Taubaté, que compõem ainda hoje o imaginário do brasileiro. Mais recentemente, essa modalidade de crônica foi rareando para dar espaço, cada vez mais, às experiências pessoais do escritor. Poucos são os personagens frescos dignos de nota, como a prima Solange de Humberto Werneck e o Almeidinha de Matheus Pichonelli.
Agora, a obra de Stanislaw Ponte Preta está sendo retomada. Notadamente, por uma iniciativa da Companhia das Letras – que, além desta antologia, republicou O homem ao lado em 2014 e um compilado de Febeapá, o Festival de Besteiras que Assola o País, em 2015, organizados por Sergio Augusto –, mas não só: Os sabiás da crônica, assinado por Augusto Massi e publicado pela Autêntica, dedica também um bom espaço a ele.
Mesmo tendo morrido muito cedo, aos 45 anos, Sérgio Porto fez escola e deixou marcas na crônica brasileira. Tivesse tido mais tempo, certamente constataríamos contribuições ainda maiores, dado seu estilo inventivo e livre, absolutamente livre, de ver e escrever o mundo.