Antes de falarmos do romance El Tercer Reich, de Roberto Bolaño, um prelúdio para iluminar esta resenha. Vamos a ele: O melhor filme que vi este ano foi O segredo dos seus olhos. Já entrei em algumas boas discussões sobre as razões da minha escolha. Escutei alegações de que esse não era (pense num clichê) o melhor exemplo da recente filmografia argentina, de que o roteiro carregava no melodrama…

Nunca fui além na polêmica. Digo apenas “gostei”, como se gostar fosse verbo intransitivo. Mas a verdade é que não consigo ultrapassar a pobreza do mero “gostei”. Não nesse caso.

Confesso que não fui assistir a O segredo dos seus olhos pelo Oscar de Filme Estrangeiro, pelas recomendações entusiasmadas dos amigos (um deles até chorou). Mas, isso sim, porque era uma tarde de domingo e tardes de domingo pedem coisas como uma ida ao cinema, encontrar a cidade ainda silenciosa depois da ilusão do sábado, almoçar tarde, beber um chope, dois chopes e apenas se deixar existir em 3x4.

Eu só poderia ultrapassar aquele “gostei” se, por exemplo, uma foto tivesse sido tirada. Uma mísera foto flagrando duas pessoas que não precisariam estar em qualquer outro lugar além daquela sala de cinema, ou daquela cidade, que abrigou a momentânea certeza de que o mundo, ufa, faz sentido. A imagem complementaria a insuficiência do verbo.

Podemos voltar a Bolaño. Em verdade, nunca saímos dele. Bolaño poderia muito bem ter feito o tal registro fotográfico. Apesar de seus livros parecerem verdadeiros épicos, o que interessa para o autor são (voltamos a elas) as histórias vividas em 3x4 que pulam no meio da Grande Trama e roubam o show. Ele é um paparazzi de anônimos tropeçando no dia a dia, em mais um dia a dia. El Tercer Reich, livro póstumo, ainda inédito no Brasil, leva personagens ao balneário espanhol onde o protagonista, agora casado, viveu sua infância. Em meio às exigências do verão, um encontro acidental (acidental?) com outro casal de turistas e um sumiço que emprestará fortes cores noir aos acontecimentos.

No entanto, quem conhece Bolaño sabe que o tom policialesco aqui não é o importante, e sim os desvios de caminhos, as assombrações e as banalidades. Escondido por trás da imponência dos catatais que formam seu legado, o autor sabe que nos ganha quando é certeiro em seu registro em 3x4.

El Tercer Reich não é um grande Bolaño como 2666 ou Estrela distante, seus mais recentes livros lançados no Brasil. Mas há mérito nessas obras de qualidade em 3x4. Virginia Woolf acreditava que os livros menores de um grande autor deveriam receber especial atenção. Para ela esses textos propiciariam a melhor avaliação de suas obras mais famosas: neles suas dificuldades soltariam aos olhos com maior facilidade, e o método posteriormente adotado para superá-las é disfarçado de forma menos engenhosa.

Seriam, então os momentos menores, as obras menores, a revelação do verdadeiro fato estético?

POLICIAL
El Tercer Reich
Autor - Roberto Bolaño
Editora - Anagrama
Preço - R$ 49,00
Páginas – 296


Leia mais sobre Bolaño:
A difícil missão do intermediário das palavras, por Eduardo Brandão

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