Luiz Costa Lima, um dos mais importantes críticos literários do país, lança nesta quarta-feira (21), seu mais novo livro, O insistente inacabado. Abaixo uma resenha da obra. O lançamento ocorre no Recife, na Caixa Cultural (Recife Antigo), a partir das 19h. A entrada é gratuita e haverá conversa entre o autor e o professor Anco Márcio Tenório Vieira (UFPE).
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O oportuno lançamento, por parte da Cepe Editora, de O insistente inacabado, nova obra de Luiz Costa Lima (foto), me lança a uma pergunta desconfortável: qual o papel, no mundo contemporâneo, da Teoria? Tal angústia, aliás, é em alguma medida partilhada pelo próprio Luiz Costa Lima ao lamentar, no prefácio a O insistente inacabado, o “desânimo que suscita a falta de reação do público” em relação à sua própria obra. Acredito, porém, que apesar dos trancos e barrancos da nossa precariedade, a obra de Costa Lima circula e encontra espaço para ser debatida. No meu caso, voltar à sua obra, depois de tantos anos, me mostrou o quanto minha caminhada como escritor e pesquisador tem uma grande dívida com seu pensamento.
Cabe, em seguida, perguntar não apenas da função social da teoria entre nós, mas sim qual o papel que O insistente inacabado desempenha no conjunto de investigações teóricas de seu autor. Afinal de contas, de que trata esse livro? Dentre as dezenas de obras publicadas por Costa Lima, podemos formular, quem sabe, três grandes grupos. Cada grupo, claro, é delimitado aqui de maneira precariamente didática. Há trabalhos, dos quais gosto em especial, em que encontro uma tendência de direcionamento historiográfico da discussão teórica de um conjunto temático escolhido. É o caso, por exemplo, do excelente O controle do imaginário & A afirmação do romance (2009), bem como Melancolia: literatura (2017) e O redemunho do horror nas margens do Ocidente (2003; 2011). Em um segundo grupo, sem abrir mão do diálogo com a história, a antropologia e a análise textual, o direcionamento pode ser definido como o de uma investigação teórica mais hard: penso nos clássicos Mímesis e Modernidade (1980), Mímesis: desafio ao pensamento (2000;2015), História. Ficção. Literatura (2006) ou em Os eixos da linguagem (2015). O insistente inacabado pertence a um terceiro grupo e quero chamá-lo de obras de síntese, ou seja, livros nos quais Costa Lima nos fornece uma imagem geral das suas principais pesquisas e/ou atualizadas leituras sobre autores que volta e meia retornam à sua prática crítica.
Temos, em O insistente inacabado, capítulos sobre: Claude Lévi-Strauss e o estruturalismo; as relações entre História e Literatura; os conceitos de mímesis e de imitatio; as relações possíveis entre autobiografia e ficção; e, encerrando o livro, leituras de obras de Kafka, Maurice Blanchot e Guimarães Rosa. Não encontro nesta obra formulações inéditas, ou a inauguração de novos caminhos de investigação teórica, porque essa não é a função do livro. Suas obras de síntese servem como recuos estratégicos antes de saltos especulativos e/ou como pontos de entrada iniciais ao pensamento de Costa Lima. Logo, cada capítulo de O insistente inacabado consiste em círculos anexados às perguntas primárias. A mais importante de todas continua a ser sobre a natureza da mímesis, cujo reposicionamento teórico é a contribuição mais original de Costa Lima, perpassando, como não poderia deixar de ser, o próprio O insistente inacabado. Ao longo de séculos, a ideia de mímese, originada do pensamento grego e debatida por filósofos como Platão e Aristóteles, foi associada no pensamento ocidental como sinônimo de “imitação” (imitatio), estética realista, ou vontade de copiar fielmente a natureza.
Esse equívoco, consolidado a partir da interpretação dos pensadores latinos de Aristóteles, é atacado por Costa Lima a partir do seu livro Mímesis e Modernidade e do fundamental ensaio Representação social e mímesis (1981). Costa Lima, porém, se furta a esboçar um conceito fechado, absoluto, sobre mímesis, pois o risco de usá-la como uma categoria meta-histórica, a explicar em um só gesto retumbante complexos processos miméticos e culturais, é grande. O insistente inacabado reitera, ao longo de seus capítulos, como o processo mimético deve ser entendido caso a caso, em complexa relação com a cultura produtora/receptora de cada obra, bem como em relação às representações sociais com as quais a literatura lida.
Mas o que seria, então, a mímesis? Ela é um processo que alimenta diferentes discursos, ou práticas sociais, entre eles, a literatura, e se baseia em uma tensão entre os polos da semelhança e da diferença em relação àquilo que, em cada época, é considerado a “realidade”. O processo da mímesis garante que a literatura possui uma realidade própria, autônoma, que nunca é um espelho da realidade. O insistente inacabado nos faz lembrar, dessa forma, um dos méritos das pesquisas de Costa Lima, o de reiterar o quanto a literatura, embora não esteja isolada da historicidade e das ideologias, possui uma autonomia complexa. A partir dessa base, a presente obra pensa instigantes questões. Algumas delas: uma autobiografia pode ser “literatura”? Discursos históricos e teóricos não comportariam, dentro de si, um lastro ficcional? Embora partam de um mesmo espaço, o sertão, quais diferentes caminhos a mímesis empreende em Os sertões, de Euclides da Cunha, e Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa?
A leitura de O insistente inacabado não é fácil. O livro, além do desafio natural da investigação teórica (e do estilo às vezes de difícil compreensão do seu autor), pressupõe um conhecimento de debates prévios. Nesse sentido, seu livro de 2013, Frestas: a teorização em um país periférico, me parece mais adequado como uma leitura inicial às ideias de Costa Lima. No entanto, o legado de sua obra é fundamental: há, sim, espaço para a teoria, pois o gesto teórico pode nos ajudar a entender a complexidade dos desafios lançados diante de nós por nosso próprio tempo. Repensar fundamentos e conceitos – é esse compromisso político que precisamos, também, exercitar.
> Cristhiano Aguiar é escritor, crítico literário e professor (Universidade Mackenzie), autor de Na outra margem, o Leviatã