A melhor coisa do mundo para um designer que está sem tempo é achar um template [nota 1] que funcione para o trabalho que precisa ser entregue imediatamente. Se tivesse que usar um template para Aloisio Magalhães, escolheria o que foi usado no PowerPoint do Lula. Colocaríamos Aloisio Magalhães no centro da página e ao redor 14 trabalhos ou funções que exerceu apontando para ele: Designer, pesquisador, cenógrafo, figurinista, professor, Petrobras, Light S.A, Unibanco, Gráfico Amador, cédulas do Cruzeiro Novo, autor, político (no sentido de um articulador em função de algo), Diretor-geral do Iphan e secretário de Cultura do MEC. O layout é feio e algumas atividades ficariam de fora, mas daria pra entender numa olhada rápida que ele estava envolvido com tudo isso e que dali surgiram outras coisas.
Há quem critique Magalhães por ter feito vários trabalhos ligados ao regime militar por conta das instituições que atendia (Banco Central, Petrobras etc.). Mas a questão é que Aloisio achou uma brecha de atuação que não pode ser ignorada. O livro Bens culturais do Brasil: Um desenho projetivo para a nação, organizado por João de Souza Leite, mostra como aproveitou bem isso – em todos os sentidos. O sobrinho de Agamenon Magalhães – duas vezes governador de Pernambuco e eminente político da Era Vargas – sabia usar os caminhos da administração pública e devemos muito a esse talento. Por exemplo, numa entrevista concedida a O Globo, em 1977, Aloisio fala sobre a criação do Centro Nacional de Referência Cultural. Um projeto em que pretendia catalogar/preservar as diversas formas de cultura no Brasil, pois acreditava que o país estava se perdendo com a industrialização desenfreada. “Existem enormes inversões de conhecimento sobre uma coisa precisa, sobre uma certa tecnologia, mas a compreensão de universos mais amplos está carecendo de ser feita. Uma das nossas tarefas é fazê-la... Somos um projeto elástico, mas espalhando-se pelo Brasil inteiro, documentando e elucubrando sobre nossas realidades. O Centro tem convênio com a Secretaria de Planejamento da Presidência da República, Ministério da Educação e Cultura, Ministério da Indústria e do comércio, do Interior, de Relações Exteriores, Caixa Econômica Federal, Universidade Brasília e Governo do Distrito Federal.”
Mas um pouco antes desta política cultural, não é exagero dizer que foi um dos responsáveis pelo reconhecimento da profissão de designer no país. Estava em busca de um design novo, o design brasileiro, e este conhecimento histórico do pesquisador aliado à linguagem gráfica pode ser notado claramente nos trabalhos que desenvolveu em comunicação visual. É o caso, por exemplo, da identidade que fez para a Light S.A. em 1966, que teve redesenho em 1999 – não porque era malresolvido ou velho, mas porque a empresa não oferecia um bom serviço aos consumidores e precisava mudar de cara.
Como membro da administração pública, seu grande trabalho foi criar as conexões entre coisas que antes pareciam desconexas em benefício de uma causa coletiva e a reverberação do que fazia na imprensa também potencializou a atividade do design, que, num resumo breve, é a união de um conhecimento tecnológico com a intuição. Ele era esta união ou esta projeção de interfaces, como conhecemos hoje em dia. Viajou, conversou, apoiou e catalogou um Brasil que até então não tinha muita noção do que seria um “bem cultural”.
Além das entrevistas, o livro traz documentos, debates e artigos que mostram essa busca pela identidade nacional na indústria e no design. Interessante também a cronologia – do nascimento em 1927 até a morte em 1982. Com 20 anos, torna-se diretor do Teatro Estudante de Pernambuco (TEP) e começa também o Gráfico Amador. Com 30, é convidado a lecionar na Philadelphia Museum School of Art, tem um quadro adquirido pelo MoMA e participa de uma exposição itinerante pelos Estados Unidos. Em 1964, aos 37 anos, ganha o concurso para a criação do símbolo do 4º Centenário do Rio de Janeiro, seu primeiro trabalho com grande repercussão pública. O filósofo alemão Max Bense, atento aos estudos da semiótica e estética, dedica um extenso ensaio ao símbolo desenhado por ele. Em 1975, cria o Centro Nacional de Referência Cultural e é nomeado membro do conselho deliberativo da Fundação Cultural do Distrito Federal. No ano de sua morte, em 1982, viaja à Europa para reuniões de órgãos internacionais de cultura, leva 11 litografias que fez sobre Olinda e que pretendia usá-las para dialogar com membros da Unesco. Faz um discurso em defesa da cultura e logo depois é eleito presidente deste encontro. Faleceu quatro dias depois.
Sobre discursos, é famoso o que fez quando assumiu a diretoria do Iphan em 1979. Afirmou suas responsabilidades pelas mudanças propostas e recitou Camões:
Mudam-se os tempos,
mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se
a confiança;
Todo o mundo é composto
de mudança,
Tomando sempre
novas qualidades.
Numa entrevista que deu logo após a posse, é questionado sobre o Iphan ser considerado uma espécie de elefante branco pela intelectualidade brasileira e alguns setores do governo. Ele explica que um designer, ao assumir esta função, faria a instituição andar, porque é natural da profissão a polivalência ou a diversidade de situações que são resolvidas no diálogo entre comunidade e tecnologia, ou seja, entre desejo e aspiração. “O designer como intermediário vivencia, toca, se alerta e enfrenta uma gama de situações muito diversificadas. E aí talvez seja justamente a razão desse momento ser necessário. Eu acho que é muito coerente, sabe. Cada vez eu fico convencido de que há uma lógica em todo esse desenrolar de trajetória”, disse Aloisio – que naquele momento não fazia ideia de que essa lógica seria tão reconhecida e valorizada anos depois.
NOTAS
[nota 1] - Template: conjunto de arquivos e instruções, contendo apenas a parte visual da apresentação do conteúdo. É um modelo de documentos que dará forma ao conceito final.