Professor da PUC-Rio tenta mapear as atuais tendências da literatura brasileira.
A ousada iniciativa do crítico literário e professor da PUC-Rio Karl Erik Schøllhammer, em seu Ficção brasileira contemporânea, ainda que adotando uma abordagem nem sempre aprofundada das obras e dos autores literários das últimas três décadas no Brasil, já é digna de atenção – e elogios – por arriscar-se a tratar do nosso tempo, e não, como costuma fazer a crítica acadêmica, reafirmar valores já canonizados. Afinal, falar de literatura contemporânea é tratar de um objeto que ainda está sendo feito.
A primeira discussão proposta pelo autor se refere justamente ao termo “contemporâneo”. Schøllhammer tenta superar a trivialidade de considerar como literatura contemporânea as obras de ficção publicadas atualmente. Para ele, essa literatura “não será necessariamente aquela que representa a atualidade, a não ser por uma inadequação, uma estranheza histórica que a faz perceber as zonas marginais e obscuras do presente, que se afastam da sua lógica”. Tal concepção parece – de forma indireta – inspirar-se no formalismo russo e se relaciona também com a ideia de que o escritor contemporâneo tenta interagir com um mundo de uma forma especial, própria, que se afasta do senso comum. A ficção contemporânea, portanto, de acordo com o crítico, define-se por uma ânsia, comum aos escritores, de abordagem dos temas do tempo presente e, concomitantemente, pela noção de que existe hoje uma grande dificuldade nisso. A “captura” do real parece ser um desafio maior se comparado a uma época passada em que ainda se acreditava em grandes ideologias e explicações totalizantes sobre o mundo.
Outra questão em análise foi a da aparente heterogeneidade absoluta do universo literário contemporâneo no Brasil, defendida por alguns críticos. Schøllhammer, por sua vez, sugere que por trás da grande variedade existem certas tendências que podem ser demarcadas. Ele aponta, por exemplo, como o Realismo, corrente de grande força em toda a história literária brasileira, foi renovado por escritores como Fernando Bonassi, Marcelino Freire, Marçal Aquino e Luiz Ruffato. Outra linhagem estética, que pode ser classificada como “intimista” – iniciada nos anos 1930 e que tem como grande referência a prosa de Clarice Lispector – ainda se faz presente em autores como João Gilberto Noll, Cristóvão Tezza ou Ronaldo Correia de Brito, cada um a sua maneira. É possível falar, ainda, numa corrente que defende propostas metaficcionais, que se propõem a questionar as fronteiras entre os gêneros.