Em sua nova graphic novel, autora de Persépolis revela o que pensam suas conterrâneas.
Poucos autores de graphic novels, o equivalente dos romances autorais nos quadrinhos, conseguiram transpor o ambiente da arte sequencial como Marjane Satrapi. Persépolis, obra que mistura sua trajetória pessoal com um retrato social e cultural do Irã, não só foi considerada pela crítica especializada como uma das principais realizações das HQs, como atingiu um público desacostumado com a linguagem. A principal prova desse alcance foi a adaptação para os cinemas, de título homônimo, que chegou a render à quadrinista uma indicação ao Oscar de melhor animação.
Em Bordados, Satrapi mais uma vez se dedica ao tema da vida no Irã, agora focada exclusivamente no universo feminino. No país, depois do almoço, é costume que os homens se recolham para fazer a sesta. Enquanto isso, as mulheres se ocupam tirando a mesa, tomando o somovar, bule de chá iraniano, e se reunindo para falar mal dos outros – “ventilar o coração”, segundo a avó de Marjane. O livro se passa durante uma dessas conversas, em que nove mulheres contam casos pessoais ou histórias de terceiros relacionados ao casamento, ao sexo e à cultura de valorização da virgindade na cultura iraniana, não muito diferente do tradicionalismo ocidental, elas lembram.
De fato, o título de Bordados quase nada tem a ver com tricô: é uma referência a cirurgia de reconstituição de hímen. A obra apresenta, a partir de pequenos relatos - desconexos como uma conversa comum -, uma visão complexa das mulheres no Irã, sejam elas tradicionais e conservadoras ou emancipadas. Ainda assim, o livro se mantém como uma narrativa solta, quase sem interferências da voz da autora, livre até da formalidade gráfica dos quadros.
Bordados também representa o caminho temático escolhido por Satrapi. Depois de Persépolis, que engloba sua vida por quase todos os ângulos, a autora se manteve no terreno da narrativa pessoal, mesmo que com outros personagens como foco. Satrapi não tem a veia jornalística de um Joe Sacco, principal expoente da reportagem em quadrinhos, para tratar metodicamente de um tema grandioso como esse, mas, em Bordados, compensa com leveza e franqueza, baseando-se quase que exclusivamente em diálogos. Não consegue se equiparar com o impacto de Persépolis, mas pudera: vidas como a de Satrapi não se encontram em qualquer esquina, e nem a autora pode narrar todas com a propriedade que fez com a sua.