Pedimos autorização do escritor Antonio Carlos Viana, que publicou em sua conta de Facebook o texto abaixo sobre Ficcionais 2, para republicar essa pequena resenha em nosso site. Em tempo: há texto inédito do próprio Viana no livro.
***
Acabo de receber e de devorar uma publicação da Cepe (Companhia Editora de Pernambuco) intitulada Ficcionais 2. O Ficcionais 1 saiu há uns três anos ou quatro anos, com textos publicados no suplemento literário Pernambuco. A edição é coordenada pelo incansável Schneider Carperggiani e, como sempre, bem caprichada.
Quem tem curiosidade de saber como nasce e se desenvolve uma obra literária deve procurar esse livro (para comprá-lo, acesse aqui), em que trinta autores falam de seu processo de criação. Nele estão apenas autores que publicaram livros julgados importantes de 2013 para cá, ou porque foram premiados ou porque foram bem recebidos pela crítica. Lá estão nomes como Sérgio Sant'Anna, Raimundo Carreiro, Silviano Santiago, Maria Valéria Rezende, Marcelino Freire, Eucanaã Ferraz e tantos outros mais.
O que logo sobressai de sua leitura é que escrever nunca é uma tarefa fácil. Um conto, um romance, um poema podem nascer de uma imagem, de algo que se escutou, de uma viagem, e por aí vai. São inúmeros os detonadores da criação literária. Há quem viaje para bem longe, como aconteceu com Tiago Novais, autor de Os amantes da fronteira. "Eu faço da fuga a minha tocata", diz ele.
Lendo esses autores, só se arriscará na escrita aquele que tiver muita vontade e dedicação à literatura. Inspiração não conta muito, ou quase nada . Escrever é só trabalho, trabalho, trabalho, muitas vezes até irritação, porque as musas nunca chegam para nos salvar.
Dos depoimentos, o mais tocante é o de Raimundo Carrero, que sofreu um AVC em 2010 e, ao acordar no hospital, se perguntou se ainda iria escrever. Depois de muita fisioterapia e grande força de vontade, ele voltou a escrever e publicou em 2015 O senhor vai mudar de corpo (Prêmio APCA, 2015), uma frase que sua cuidadora falou por acaso. A literatura tem muito disso, do acaso.
O leitor sempre nos pergunta se o que escrevemos tem algo de autobiográfico? Quem melhor responde a isso é Carola Saavedra, autora de O inventário das coisas ausentes. Ela escreve: "Em geral, qualquer que seja a resposta, a reação é de desconfiança, como se o autor se recusasse a dizer toda a verdade, escondendo algum aspecto importante do seu trabalho. E esconde, mesmo, na maioria das vezes não por malícia ou má vontade, mas apenas por se tratar de um processo que ele próprio não controla completamente".
Maria Valéria Rezende, autora de Quarenta dias, começa seu depoimento dizendo: "Cá estou, os olhos passeando do computador à janela, daí para o teto branco, perguntando-me de onde nascem os romances, contos, poemas. Muitas respostas já tentadas, nenhuma suficiente, creio, nem mesmo para uma única obra de um único autor. Aí pode estar a graça da literatura: porque sua origem é incerta, até espúria, talvez, não há interpretação dada e o leitor tem de reinventá-la a partir de sua também semioculta visão de si, do outro, da vida".
A criação literária será sempre esse mistério. Por mais que os autores expliquem seu processo criativo, alguma coisa fica numa nebulosa que eles mesmos não alcançam. Às vezes eu mesmo me pego perguntando: "Como eu disse isso? Em sã consciência eu não diria".
O interessante deste livrinho (só na extensão) é o modo como cada escritor cria seus mundos. Alguns vão pelo caminho teórico, outros pelas descaminhos que a própria ficção engendra e que precisam estar dispostos a segui-los sem muita indagação. Cada um de nós tem o seu método criativo. O máximo que podemos fazer é explicá-lo depois do livro pronto. Por que entramos por essa "selva escura", não sei. Só sei dizer que é um trabalho incansável, cujo resultado, se atingirmos o que nos propusemos, é muito compensador. Haja suor.