Para driblar o banal 

Relatos de viagem, relatos de tentativas. Há algo no momento atual que anda fazendo com que experiências artificiais (ou seja: aquelas que não fazem parte da vida banal, que são escolhas) ganhem o fascínio dos escritores. É o caso do livro de Tiago Novaes, tratado na página ao lado, e deste Incendiário, que conta/reconstrói a experiência do autor na Legião Estrangeira, na França. Mas não é um livro de batalhas ou de aventuras cinematográficas, mas da curiosidade diante do estranho, da necessidade de driblar a banalidade tão superestimada na literatura recente. Um romance de formação, que compreende a importância do vírus literário durante as grandes viagens/descobertas, como explicita a passagem: “Eu era um garoto quando acabei de ler Trópico de câncer, a obra prima de Henry Miller, e nele me vi frente a frente com um ser de verdade. Não um personagem. Não uma história. Mas um ser vivo. Feito de sangue e carne, ossos e gordura. Suas confissões, seus delírios. Finalmente lia, e era como se o próprio autor me contasse, não outras histórias, mas a sua história.”

 
Fabulação do épico
 
É justamente no susto de uma imagem, como a necessária miragem que afasta e aproxima todos os viajantes, que dá início à aventura poética do autor: “Era o vazio/no instante anterior/ onde a construção/e silêncio”. Trata-se de um poema quase épico, lembrando que a palavra épica na literatura contemporânea só pode ser usada se revestida de ironia. Curiosa (e acertada) é sua decisão de lançar mão da palavra “fábula” no título. Como observa o crítico Anco Márcio Tenório Vieira, no prefácio, “fábula” pode designar uma conversa, uma narrativa, ou até mesmo uma grande mentira. “É como se tudo que existiu ou que existe no mundo (tanto o fato em si quanto o que se escreveu ou o que se narra oralmente sobre ele, mas também o modo como as artes temporal – poesia – e espacial – pintura – organizam esse mundo) terminasse por promover uma tênue e imbricante fronteira entre o narrar, a ficção e a mentira”, define o crítico, destacando a consciência do autor nas escolhas de fabulação da sua épica.