Poucas obras despertam tamanha unanimidade crítica quanto A invenção de Morel, do argentino Adolfo Bioy Casares. Sua criação de uma ilha, que é também uma máquina de sentimentos, exerce um fascínio capaz de suscitar as mais estranhas analogias. De uma intervenção sobre o futuro da humanidade a um possível longo ensaio sobre fotografia, toda comparação pode ser agregada a essa novela com cerca de uma centena de páginas. Para Roberto Bolaño, seria impossível escrever da mesma forma depois de A invenção. Para Borges, trata-se do romance perfeito e perfeito ao ponto de criar passagens de síntese impressionantes como esta: “... Que devo pensar? Sem dúvida é uma mulher detestável. Mas, que será que ela quer? Talvez brinque comigo e com o barbudo; mas também é possível que o barbudo não seja mais do que uma ênfase no seu prescindir de mim, e um sinal de que esse prescindir atingiu o seu ponto máximo e chega ao fim.”
A Invenção de Morel, no entanto, exerceu uma sombra limitante em Casares, da mesma forma que sua amizade fortíssima com Borges: ambas acabaram sendo as únicas referências que são lembradas quando o nome do autor é levantado. E estamos falando de um nome que tem obras importantes como O sonho dos heróis, um dos grandes romances argentinos do século passado, ao articular o fantástico que é a memória. É quase impossível falar de Casares sem citar Borges ou A Invenção. Um homem em eterna meia-luz.
Ano passado, quando do centenário do autor, a Biblioteca Azul (selo da Editora Globo) começou a reeditar as suas obras completas. O primeiro volume chegou há pouco às livrarias com nova tradução. A organização de toda a obra completa, que será publicada em três volumes, é do pesquisador argentino Daniel Martino, especialista na obra do escritor, responsável pelo estabelecimento do texto e pelas notas que apontam as variações de texto ao longo da obra.
Esse primeiro volume das Obras Completas inclui romances que se encontravam há décadas fora das livrarias como Plano de fugae A trama celeste. História prodigiosae O sonho dos heróis(vale destacar que a edição anterior desse romance no Brasil, pela Cosac Naify, contou com posfácio do escritor argentino Rodrigo Fresán) são os últimos livros a integrar o volume. Além dos títulos, parte da edição é dedicada a textos dispersos, a maioria prólogos e resenhas publicadas entre 1940-58, que ressaltam o humor e a ironia de um apaixonado pela literatura. Os apêndices reúnem ideias iniciais para a criação de obras que integram o primeiro volume como os contos “Dois reis do futuro” e “O outro labirinto”.
No decorrer deste ano, os dois volumes seguintes das obras de Casares serão relançados. Para os iniciantes no autor, entretanto, vale procurar a edição primorosa de A Invenção de Morelque a Cosac Naify lançou há alguns anos, que incluíu o posfácio de Borges (como deu para ver, até quando tentamos escapar, voltamos sempre a Borges e a Morel, mas Casares é bem mais que isso).