Ilustração de Janio Santos sobre Reprodução

 

É possível traçar o início do tom maravilhoso e de assombro que marcou o clichê da literatura hispano-americana durante o século 20 via as descrições de incredulidade dos colonizadores. O espectro que Gabriel García Márquez empregou a Macondo, por exemplo, retoma essa expectativa utópica. A significação eufórica da América para o homem europeu, que vai desde o espetacular impacto do descobrimento até pelo menos os fins do século 18, fez-se pela incorporação de mitos e lendas dos testemunhos narrados dos primeiros viajantes. São frequentes nos cronistas da época expressões como ‘encantamento’, ‘sonho’, ‘maravilha’, ‘não sei como contar’, que denotam o assombro natural diante do desconhecido.

 

A formação desse imaginário é justamente o ponto que Alfredo Cordiviola, professor do Departamento de Letras da UFPE, investiga no livro de ensaios Espectros da Geografia Colonial — Uma topologia da ocidentalização da América. A obra parte justamente da Utopiade Thomas Moore, texto fundador da perspectiva de utopia e decisivo para entendermos as necessidades de recriação vividas por uma Europa que precisava ultrapassar seus limites e superar sua angústia de terra já exausta, em crise. Apesar dos perigos iminentes do Desconhecido, o Novo Mundo poderia ser também um paraíso possível.

 

É o caso, por exemplo, da ilusão do espanhol Antonio de Léon Pinelo, que acreditava ter encontrado no Novo Mundo uma espécie de mapa do paraíso. “A existência do paraíso era inquestionável, mas não a sua localização: as hipóteses podiam ser depuradas mediante complexas tramas de exploração tanto da topografia do mundo conhecido quanto das palavras que o definiam”, aponta Cordiviola. O Novo Mundo se sustentava, então, como a comprovação de uma investigação antiga. O espanhol estava longe de ser o primeiro a interrogar documentos, enigmas e instituições em busca da localizão precisa do Paraíso Terrestre. “Tanto a iconografia quanto a literatura tinham se especializado em retratar esses mundos que estavam além do mundo imediatamente cognoscível. As imagens que, nas superfícies planas dos muros, das telas e dos livros, multiplicavam as cores e a abundância dessa terra dos deleites, cristalizavam definitivamente o paraíso como um lugar visível e que devia ser visto e evocado pelas gerações dos homens”, aponta Cordiviola.

 

Ao fazer uma investigação de como esses colonizadores enxergaram e ergueram as novas terras em seus inconscientes, segundo Cordiviola, continuam pautando até hoje o comportamento dos turistas: “Enquanto os turistas percorrem a Europa meridional em procura de grandes espetáculos de devastação e abandono, os naturalistas que examinam outras geografias e fronteiras criam maneiras de observar e catalogar o mundo natural que complementam as percepções dos viajantes solitários”. Sim, sempre haverá alguém ou algum lugar para ser chamado de exótico.