Antônio Xerxenesky escreveu um artigo, para o site da Cosac Naify (http://editora.cosacnaify.com.br/blog/?tag=rodrigo-fresan), sobre a pergunta que, cedo ou tarde, irá cair no colo de qualquer escritor: “Qual livro você gostaria de ter escrito?”. Sua resposta passou longe dos clássicos de sempre. Queria mesmo era ser o autor de O fundo do céu, romance de fundo falso do argentino Rodrigo Fresán. Se não o escreveu, Xerxenesky ao menos foi o responsável pela tradução dessa obra, escrita por um dos nomes mais inventivos da literatura hispano-americana contemporânea, mas que permanece um quase desconhecido para os brasileiros — antes apenas Jardins de Kensington, já esgotado, havia saído por aqui.
“O fundo do céu, por sua vez, é a carta de amor de Fresán ao universo da ficção científica. Lá estão, mascarados com pseudônimos, as figuras de Philip K. Dick, Isaac Asimov, Arthur C. Clarke e H. P. Lovecraft (que não é ficção científica stricto sensu, mas inspirou muita gente da área). As múltiplas tramas do livro giram em torno disso, do amor dos personagens e narradores pelo gênero mais imaginativo da história, e eles se comunicam conosco, os leitores, com palavras roubadas desse vocabulário espacial e especulativo”, explica Xerxenesky sobre os motivos do seu afeto por O fundo do céu.
É curioso o quanto muitos autores hispano-americanos construíram, nas últimas décadas, obras em que uma instância ficcional recobre os personagens como uma gaze de proteção. Foi o caso de Albertu Fuguet, em Baixo astral, com a cultura pop criando uma necessária barreira contra as notícias do patriarca Pinochet. Ou do nerd do fim do mundo descrito por Junot Díaz, em A fantástica vida breve de Oscar Wao.
Aqui temos um livro de ficção por cima de outro: todos os personagens fingem acreditar que a vida é ficção científica. Talvez um dos maiores perigos a cercarem os personagens seja o amor, como aponta a passagem: “(...) a ficção científica e o amor nunca se deram muito bem. Ou talvez sim: pois, de uma maneira ou de outra, todos somos abduzidos pelo amor, essa força extraterrestre e sempre diferente cuja linguagem tentamos, em vão, compreender”.
Ou como o próprio autor aponta no posfácio: “Antes de tudo: este não é um romance de ficção científica. Este — foi e será — um romance com ficção científica. Depois de tudo: um dos livros que mais li e reli não é um romance de ficção científica, mas com ficção científica”.
Vale destacar a referência que a obra faz para Roberto Bolaño, um dos principais norteadores da escrita de Fresán, numa frase retirada de Estrela distante, sobre o reencontro com um criminoso dos tempos da ditadura de Pinochet, que o chileno classifica como um habitante do “planeta dos monstros”.
Talvez nessa referência exista uma chave para entendermos essa instância ficcional que envolve os escritores: talvez a atual geração da literatura hispano-americana esteja querendo aprender a lidar com os fantasmas dos monstros políticos da história do continente.