Em Jimmy Corrigan, Chris Ware ressignifica elementos cotidianos de forma irônica e lírica
Em um único momento de apresentação, Jimmy Corrigan – O menino mais esperto do mundo avisa que tem poucas chances de acarretar “grandes revelações”, o que é uma verdade apenas parcial. De fato, o enredo, de tom constrangedor e melancólico, caminha sem impactos repentinos. A narrativa, no entanto, é em si uma descoberta, levando os quadrinhos ao máximo de sua significação.
Um dos principais nomes das graphic novel da atualidade, Chris Ware lançou a obra em 2000 com uma enorme repercussão, levando seu nome ao seleto hall de quadrinistas que ganharam um prêmio literário, no caso, o Guardian First Book Award. Não é para menos: a obra mistura inovações gráficas surpreendentes e recursos visuais gastos, usados à exaustão na tentativa de reinventar sua funcionalidade. O caso mais belo é em um sonho do personagem, quando ele percorre uma longa distância caminhando de muletas. Ware oferece não uma sequência de quadros, mas módulos recortáveis para que se monte um carrossel. O resultado apresentaria Jimmy Corrigan, personagem principal, andando ao redor do eixo de forma cíclica, eterna.
O nível de detalhe dessa construção é quase um impeditivo para a montagem, e é essa a intenção do autor: ele não se interessa pelo resultado material, o carrossel, e sim pelo efeito de imaginá-lo. O vanguardismo gráfico se dá por uma ressignificação irônica e lírica de elementos cotidianos, como propagandas, títulos estilizados (“o menino mais esperto do mundo”) e resumos novelescos de capítulos anteriores.
No livro, Ware apresenta Jimmy, um homem de meia idade inseguro e hesitante. Em meio ao seu cotidiano aprisionador, ele recebe uma ligação do pai que nunca conheceu, propondo que venha visitá-lo. Mesmo aceitando, não consegue estabelecer nenhum tipo de intimidade, com um nervosismo evidenciado a partir de trejeitos como tosses e fungadas. Paralelamente, também é contada a infância do seu avô James, que lida com um pai difícil e rigoroso, uma forma de comparar o sofrimento da ausência com o da presença negativa. Entre sutilezas narrativas e elaborações gráficas, Jimmy Corrigan é uma das poucas vezes em que os quadrinhos funcionam como uma linguagem perfeita, inclusive poeticamente.