Mabel Maldonado/Divulgação

 

O romance Formas de voltar para casa, do escritor chileno Alejandro Zambra, parte de um pressuposto genial: tratar a figura de Pinochet não como a do homem com todos os poderes, mas como um personagem estranho, que era capaz de interromper a programação da TV a qualquer hora do dia. Tratar a ditadura pelo olhar de uma criança, que aos poucos vai compreendendo o mundo ao seu redor, é uma forma de imprimir camadas de significado mais suaves a um tema sempre complexo, sempre aberto ao exagero ou ao tom panfletário. A obra acerta, ao menos, em seu desejo de querer soar silenciosa e vazia em cores.

 

Formas de voltar para casa faz parte do esforço da geração de autores surgida a partir dos anos 1990 de redesenhar a literatura latino-americana, para além da estética canônica do Boom. No enredo, o romance se aproxima de Baixo astral, obra pop e colorida do também chileno Alberto Fuguet, que instaura Pinochet na adolescência de um garoto de classe média alta, nem um pouco interessado em compreender os desmandos do grande patriarca.

 

Mas se Fuguet tratava a história imediata com certa ironia melancólica, Zambra não tem qualquer senso de humor. O que talvez o leve a se embananar em frases de efeito bobas, que chamam atenção do leitor menos treinado, mas que vazam o seu esforço em construir essa estrutura. É o caso de passagens como “Tenho certeza que sentia minha presença, mas não baixou o livro. Seguiu sustentando — como quem sustenta o olhar. Ler é cobrir a cara, pensei. Ler é cobrir a cara. E escrever é mostrá-la” - abandonar a ação para lançar um pensamento subjetivo sobre o mundo, como se olhasse para o leitor pedindo aplausos por sua sacação genial, é de um amadorismo impensável para quem é tratado como um gênio em potencial (ah, como dá medo a expressão “em potencial”...).

 

Zambra faz em Formas de voltar para casa o mesmo exercício já testado em Bonsai (seu livro de estreia no Brasil), ainda que com melhor resultado: pegar um tema gigantesco (antes amor; agora ditadura) e tratá-lo a partir de um ponto de vista minúsculo, num jogo meio absurdo de falsa modéstia. Apesar desses problemas, o livro é uma aquisição razoável para o leitor compreender um dos momentos mais dramáticos da história recente do continente, sobretudo nesse momento em que o Brasil repensa os 50 anos do golpe militar e que os autores brasileiros começam, pouco a pouco, a falar de como a repressão política se infiltrou na nossa pele e em nosso imaginário.

 

Mas para quem quer entender como um sistema ditatorial pode se infiltrar na corrente sanguínea do seu País e apodrecer tudo ao seu redor, sem grandes tons histéricos, a melhor dica é procurar outro chileno, no caso Roberto Bolaño, com sua novela Estrela distante. Um livro não apenas silencioso, mas no volume certo.