A travessia de Rubem Braga pelo Recife deixou as digitais de um fantasma. É a crônica de um prontuário surpreendentemente inteiriço, mesmo após 78 anos de ranço, onde as impressões de seus dedos e mais 15 folhas armazenam rastros de três detenções em um único mês. Entre elas, o recorte integral de um texto seu, virtualmente perdido, e um auto de defesa garranchado por um oficial, no qual ao menos conseguiremos identificar o suplício hoje simpático: o escritor, jura ali, nunca foi enriquecido pelos soviéticos.
Braga, registro geral número 13.529 no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) de 1935, é o três por quatro preto e branco de um elemento de terno e apenas 22 anos, natural do Espírito Santo, solteiro, jornalista, cútis branca, 1m74 de estatura, rabiscado por um violento grafite vermelho. Crime em anexo: o texto Carta a um padre, resposta pública à acusação do destinatário Padre Torres, para quem a Aliança Nacional Libertadora (ANL) é uma máquina ideológica financiada no estrangeiro:
“Você disse que a gente (...) ganha 3 contos por cabeça... Você disse que a gente quer acabar com a família, com Deus, com o Brasil... (...) A Pátria está aí e vai bem. Mas está nas mãos dos outros, não está nas mãos do povo. (...) A Pátria que eu amo, reverendo, é a Pátria de João da Silva, é a Pátria de Severino de Tal, é a Pátria dos anônimos (...) Por essa Pátria há milhares de brancos e de negros, de mulatos e de estrangeiros lutando e sofrendo”. E continua: “Por obséquio, não fale mais em Deus. Deixe Deus sossegado, reverendo. Não o coloque ao lado de Ford, vigiando a Concessão! (...) Reverendo, lá fora o sol continua loiro sobre o Recife. A primavera não tarda, reverendo. Setembro vem aí. Muita coisa vem aí. A multidão vem aí”, sentencia.
É um ateu cumprindo vocação quase ausente de suas mais completas antologias. Ainda quatro meses antes, o influente colunista Alceu Amoroso Lima já farejava no emergente cronista dos Diários Associados um crítico aguerrido da Igreja. Como conta o biógrafo Marco Antonio de Carvalho em Rubem Braga: um cigano fazendeiro do ar, Amoroso Lima lança então um revoltado “ou ele ou eu” para o magnata Assis Chateaubriand, que despacha o capixaba do Rio de Janeiro para integrar o quadro do Diario de Pernambuco.
Dura apenas dois meses, no entanto. Às vésperas de eclodir a Intentona Comunista, Braga aceita salário mais modesto e assume o cargo de redator-chefe da estreante Folha do Povo, braço da ANL em Pernambuco. “É nesta rápida passagem pelo Recife que Rubem Braga publica alguns dos textos mais agressivos já escritos na imprensa brasileira contra a poderosa Igreja, seus sacerdotes e fiéis”, escreve o biógrafo do jornalista.
A pose do detento, fotografada em 23 de agosto, sela a última das decorrências na delegacia dos extremistas. Em 7 de agosto, é detido por “manter ligações com pessoas filiadas ao Partido Comunista”. No dia 15, por “fazer parte do Congresso Nacional da Juventude do Brasil”. Da última vez, por “dirigir ataques violentos às autoridades policiais, pelas colunas do jornal ‘Folha do Povo’”. “Conclui-se tratar de um indivíduo filiado ao Partido Comunista e perigoso agitador”, subscreve a datilografia.
“Se o senhor vier aqui outra vez, não tem conversa: vai direto para o Brasil Novo”, diria naquele dia o delegado ao escritor, relata o biógrafo, em referência ao temido presídio recifense. Braga, driblando a repressão, parte para Porto Alegre num intervalo de 20 dias e deixa diferentes vultos. Em História da imprensa pernambucana, Luiz Nascimento registra que o escritor teria ido embora para cobrir a Exposição Farroupilha. Em Europa 1935: uma aventura de juventude, Moacir Werneck de Castro diz que “adoeceu e precisou voltar ao Sul”.
Carvalho, no entanto, sentencia: “Rubem preferiu não conhecer o famoso e assustador presídio recifense”. Abandona o antigo endereço no rodapé da ficha policial e entrega o destino a Paulo Mota Lima, que ocupa seu antigo posto na Folha do Povo e amarga três anos e quatro meses atrás das grades. Deixa, por fim, suposta coleção de suicídios, 25 crônicas interditadas e, na falta de uma assinatura legível, um segundo retrato ao relento do Diario de Pernambuco.
COLEÇÃO DE SUICÍDIOS
Os vestígios da produção de Braga no Recife esboçam a genealogia de uma conversão: de bom moço a extremista perseguido. Os dois únicos textos assinados que deixa no Diario durante o período de sua estadia, embora escritos ainda no Rio de Janeiro, dão sinais de um engajamento afetivo na vida ordinária – que pouco depois cruzaria o caminho da sensibilidade comunista emergente no país.
O suplemento de luxo Segunda Seção traz o primeiro deles em 6 de maio. Chegou o outono..., escrito por Braga em março, testemunha revelação sazonal na capital fluminense – e, com a chegada dos ventos, uma adulteração emocional, vista do bonde tomado por operários. “Era eminente a entrada em Botafogo; penso que o resto da viagem não interessa ao grosso público. (...) O necessário é que todos saibam que chegou o outono. Chegou às 13h48, na rua Marquez de Abrantes e continua em vigor. Em vista do que, ponhamo-nos melancólicos”.
No domingo seguinte, 12, vem O homem do quarto andar. Uma vez mais, uma crônica tristonha sobre bondes e transformação, servida de relato sobre a mudança de um homem anônimo e despercebido pela cidade, para quem a vida é constante percurso: “Ali mesmo não se despedira de ninguém, ninguém tomara conhecimento efetivo e afetivo de sua vida. (...) Deu ao ‘chauffer’ o endereço novo”.
No resto do itinerário, Braga se esconde na seção Fatos diversos, enfurnado na contracapa. Se lhe interessa, como cronista, colher anonimatos, ali ele se serviria desta mesma matéria-prima para produzir, exilado no lide, denúncias mas também historietas de todo tipo de sensacionalismo: longas chacinas familiares, a tragédia de tuberculosos desassistidos, maravilhosa série de debates sobre o aperto de mão ser gesto anti-higiênico, nota sobre um garoto que quebra a perna na escola ou sobre o homem que fere a orelha nos trilhos da Pernambuco Tramways. Muitas, enfileiradas notas diárias sobre acidentes de bonde.
O que é de sua autoria, não se sabe. Buscamos sinais de estilo, mas são poucos os rastros fiáveis. Mapeamos o passeio junto a, entre outros, Fernando da Cruz Gouvêa, que ingressou no Diario em 1945 – cuidou das coleções do periódico até cinco anos atrás – e Gladstone Vieira Belo, atual vice-presidente executivo do veículo: caso perdido. Jornalistas contemporâneos, fazem coro, estão mortos. Sua presença na cidade, emenda Gouvêa, foi muito discreta. “Nem ele falava no assunto. E creio que não deixou marcas”. “Era muito jovem, ninguém ia pensar que depois seria o que foi”, completa Vieira Belo.
O jornalista Xico Sá nos dá novo horizonte. Em coluna de 2011 para a Folha de S.Paulo, relata que Braga foi o primeiro repórter a publicar notas sobre suicídios no Diario, prática cujo destino seria se tornar tabu maior do jornalismo. Por e-mail, ele nos diz que lhe faltam fontes – “li quase tudo sobre o cronista, mas não vi a informação registrada” – mas que a história foi propagada em mesas de bar pelo escritor Alberto da Cunha Melo, também já falecido.
O Braga da ternura de classe é um colecionador de suicídios: publicaria oito notas sobre populares desistentes da vida, se acaso for o autor do conjunto que vai de maio ao início de julho, quando deixa o emprego. A primeira vem já no primeiro dia 5: “Doente incurável suicidou-se”, breve notícia estrelada por mulher que, abatida por “moléstia incurável”, toma banho de querosene e ateia fogo a seu próprio corpo.
Os outros casos tanto passam depressa quanto parecem ter sido taquigrafados por um robô. O mecânico se joga de um segundo andar na Rua São Jorge. Outra moribunda grave se incendeia. Por vezes, são como obituários cuja única informação, a despeito de enredos ou descrições, é o simples ato da morte: “Suicidou-se anteontem. O cadáver foi removido para o necrotério público”.
Entre um falecimento e outro, certos informes parecem ecoar a presença de um crítico da polícia. Em 14 de maio, Fatos diversos noticia espancamentos de um preso por policiais, cujo braço “é quase quebrado” – no que o governador Carlos de Lima Cavalcanti remete uma nota, publicada na íntegra, em que promete apurar os fatos e critica eventual irresponsabilidade do jornal com verdades. O caso some das páginas. No dia 18, porém, outra denúncia: “Péssima alimentação dos presos – carne podre no Brasil Novo”.
Algo explode no Brasil e as pegadas de Braga transcrevem os estilhaços sob o disfarce das páginas: Lampião atravessa Pernambuco, a ANL infla, o Brasil Novo é uma assombração. O temor dos cangaceiros e dos comunistas passa a tomar, em partes iguais, as capas do periódico. Sua demissão se aproxima. 29 de junho, dez dias antes de estrear a Folha do Povo, sua passagem no Diario tem enfim uma pegada evidente. É a mesma monocelha de Braga estampada na testa de um entre dois enquadrados na foto, sob a chamada Os rumores em torno da Secretaria de Segurança. Legenda: “O capitão Rossini Raposo, à saída do palácio, ontem, quando era abordado pela nossa reportagem”.
O jornalista é contundente: burburinho sobre a exoneração de Rossini da Secretaria de Segurança sinaliza misteriosas intenções da polícia política. “Informado de que estava em palácio, lá se foi nosso repórter”, diz o texto. O capitão nega o boato, mas o colecionador de suicídios abre intertítulo, sob alegação de “rumores bem fundamentados”: “Aqui está o sr. Lopes Vieira (...), em missão reservada do ministro do Trabalho. Sob a natureza dessa missão faz-se mistério. Já se sabe, entretanto, que ela é diretamente ligada às atividades policiais, principalmente no setor da ordem pública e social. O sr. Lopes Vieira viria por em prática processos de vigilância aos elementos extremistas dentro dos sindicatos proletários”.
Primeira semana de julho, dito e feito. Manoel Lopes Vieira assume a pasta, sob a missão de reorganizar a ação policial. O jornal publica, na íntegra, emblemático manifesto de Luís Carlos Prestes, o qual inquire em seus editoriais e colunas. Fecham-se pelo Brasil os núcleos da ANL, que vem ao Recife em caravana, e a Secretaria de Segurança inventa um gabinete dedicado a xeretar reportagens de jornal.
Dia 10, enfim. A generosa nota de rodapé anuncia o inverno de Braga: Folha do Povo: circulou ontem mais esse vespertino pincela trechos do editorial de lançamento, que imbui o veículo de “expor as condições de vida e trabalho das camadas operárias e populares”. “Saudamos a nova confreira”, acaricia o Diario, sem menção ao redator-chefe da Folha e agora ex-funcionário de Chatô. Dois suicídios são noticiados nos quinze dias seguintes.
ANTOLOGIA INTERDITADA
Do lado de fora do Diario, Braga colhe restos de reportagem, mas sem implicar seu passado imediato: “A assistência foi chamada. Veio tinindo”, escreve. “Um homem estava deitado na calçada. Uma poça de sangue. A assistência voltou vazia. O homem estava morto. O cadáver foi removido para o necrotério. Na seção Fatos diversos do Diario de Pernambuco, leio o nome do sujeito: João da Silva. Morava na Rua da Alegria. Morreu de hemoptise”. “Nós somos os Joões da Silva”, emenda. E termina profético: “Nossa família um dia há de subir na política...”
Crônica das mais antológicas, Luto da família Silva é exceção na produção de 25 textos escritos por Braga durante a breve sobrevivência da Folha do Povo de 1935: 20 foram deixados à margem de qualquer compilação. Com aquela, foram publicadas mais três delas em seu primeiro livro, o praticamente inacessível O conde e o passarinho (1936).
A cidade lírica é cenário de luta de classes em Recife, tome cuidado: “Nem a luz fraca da Pernambuco Tramways. Os mocambos adormecem no escuro, na lama. (...) Recife, linda Recife, das lindas fontes, dos coqueiros lindos, Recife, linda Recife, tome cuidado, que você se estrepa”. Em Véspera de São João no Recife, é lamento: “Amanhã, João, este povo continuará na vida. Por que o distrais assim com teus fogos, João? Amanhã os pobres estarão mais pobres e os ricos os esmagarão, e muitos homens irão clamar nas cadeias”. Reflexões em torno de Bidu, por fim, criptografa com veneno o show de Bidu Sayão, estrela da música cercada de smokings. “Extraordinariamente feio, o Teatro Santa Isabel!”, cutuca Braga, e olha torto para a progressista placa com inscrição de Joaquim Nabuco, no foyer do edifício: “Velho Nabuco, há muitas abolições a fazer ainda”.
“Sua inquietação social vem justo num momento de polarização tremenda”, contextualiza Carlos Ribeiro, pesquisador da obra do jornalista e autor de Rubem Braga: um escritor combativo – a outra face do cronista lírico. “Ele não tinha timidez para tomar posições, portanto estes textos têm um peso muito grande do ponto de vista da crônica social. O período em que morou no Recife é uma marca fundamental desta postura”.
A última de suas crônicas recifenses reeditadas em livro é também a que trilha destino mais obsceno. Reportagens, incluída no raro Morro do isolamento (1944), transporta a distância esotérica com que o jornalismo descreve cultos afro-brasileiros para narrar, com espanto, uma missa: “Um homem com uma espécie de camisola preta e com um pano bordado de ouro nas costas dizia palavras estranhas, em uma língua incompreensível. A um gesto seu, mulheres e homens se ajoelharam murmurando coisas imperceptíveis (...) bebeu um pouco de vinho e começou a meter na boca de cada velha que se ajoelhava em sua frente uma rodela branca”. E encerra: “O que dirá a isso o senhor Chefe de Polícia?”, enterrando em setembro, fichado e foragido, a última de suas incursões conhecidas em páginas recifenses. É primavera.
Braga escreve para a Folha do Povo até o seu fechamento pela polícia, em 24 de novembro de 1935, enviando textos de Porto Alegre e do Rio de Janeiro. Resquícios históricos dos quatro meses de periódico encontram-se despedaçados na História da imprensa pernambucana, de Luiz Nascimento, e na arguição pessoal de Paulo Cavalcanti em O caso eu conto, como o caso foi. A pesquisa mais engenhosa sobre o veículo foi feita há cerca de sete anos por Ana Lira, pesquisadora do Trotamundos Coletivo que em 2007 publicou o artigo Folha do Povo: a voz popular no jornalismo diário recifense, consistente apanhado histórico das peças acessíveis.
As páginas da Folha – e, com elas, os 20 textos esquecidos de Braga – desvaneceram, no entanto. Quando realizou a pesquisa, Ana teve acesso a exemplares já interditados para consulta no Arquivo Público pernambucano, acompanhada por um técnico de luvas. As primeiras edições, descreve, estão se despedaçando. A capa inaugural, dividida pelo tempo em quatro partes de um quebra-cabeça de areia. Dizia-se então que a coleção seria restaurada e microfilmada pela Fundação Joaquim Nabuco, por ocasião do bicentenário da imprensa brasileira, celebrado em 2008. A Folha de 1935 ficou de fora das recuperações.
Hoje, a ordem é de distância do caderno, que se desmancha com o toque. “Pode deixar o jornal inacessível para outros pesquisadores, o que seria irreversível”, justifica um funcionário do Arquivo Público. Diz-se que a Fundação Roberto Marinho possui cópias doadas pelo Partido Popular Socialista (PPS), mas a confirmação é difusa e a instituição, depois de um mês de contato via PABX burocrata, permanece calada. A família de Rubem Braga se pronuncia através de uma assessora de imprensa: quando morou no Recife, Braga estava solteiro e desacompanhado, desculpam-se.
A executiva do atual PCB pernambucano promove reunião com a reportagem, disposta a escarafunchar, conjuntamente, a memória do veículo. Roberto Arrais, Délio Mendes, Odon Porto, Danúbio Aguiar. Nenhum deles sabe muito sobre o tempo do antigo redator-chefe Braga. Suas lembranças são impregnadas pela Folha do Povo que viveram: a aberta dez anos depois, já vinculada oficialmente ao PCB, quando a imprensa comunista foi, por breve período, legalizada no Brasil – e, por décadas por vir, mais uma vez perseguida pelos regimes autoritários.
“Eu digo sempre que nos preocupamos muito com a perda das pessoas, o que é natural, mas você não sabe o que a ditadura fez do ponto de vista cultural. Destrói qualquer elo com o passado”, lamenta Mendes. A hipótese do grupo é de que eventuais arquivos pessoais da primeira Folha do Povo foram simplesmente destruídos, por medo dos militantes ou por ação violenta da polícia. “É o jornal mais empastelado do mundo”, diz Porto, evocando o verbo que traduz a inutilização de uma oficina gráfica – neste caso, por meio da força policial.
No original, a piada foi ironia de Braga em que o verbo, observa Ana Lira, tinha sentido ambíguo: de destruído e de pobretão mesmo. Está dito num trecho pincelado de crônica perdida, por meio da qual o escritor se despede das terras recifenses: “passei um domingo na praia de Boa Viagem e uma noite na cadeia (...) Fui à festa dos Montes Guararapes e trabalhei no jornal mais quebrado do mundo”.
EPÍLOGO
A recepcionista de uma concessionária de crédito no empresarial Brasil Norte lamenta: “Infelizmente aqui não sabemos dessa história de pensão”. É neste mesmo 234 da tareca rua Gervásio Pires que, ao longo dos cinco meses de permanência no Recife, Braga dorme parte de suas noites, seis décadas antes da pensão de Dona Bertha dar lugar ao pequeno espigão vizinho a uma loja de colchões.
Dali Braga compartilha o Recife com o filho da proprietária, o médico Noel Nutels, mais Capiba, Fernando Lobo e os irmãos Suassuna. Circula ao lado do crítico Valdemar Cavalcanti, do sociólogo Manuel Diegues Júnior, do poeta Ulisses Braga, de Gilberto Freyre. De madrugada, vai ao mercado do Bacurau, “onde come sarapatel e bebe cachaça”, diz a biografia, e veste “uma gravatinha vermelha aos sábados e somente aos sábados”. Frequenta cabarés “de quinta categoria” com o poeta Odorico Tavares e, claro, cultos afro-brasileiros.
Em O índio cor-de-rosa: evocação de Noel Nutels, Orígenes Lessa reconstrói alegoria para as inquietações iconoclastas do jovem Braga, que “acabava de descobrir uma utilidade inesperada para o seu canudo: matara com ele, em duas rápidas pancadas, um enorme rato que lhe entrara no quarto, perseguido pela rapaziada”. O conto, escreve Lessa, “está perfeitamente dentro do clima em que viviam todos, o tempo a correr mais do que o rato e cada componente do bando quase tão feliz com a descoberta da vida quanto o Braga com a descoberta de uma aplicação, afinal, para o seu comprovante burguês de bacharel”.
Alvo dos investigadores do Dops, Braga empregaria, com o mesmo espírito traquina, outros utilitários cotidianos, tal como nos fuxica o economista Abelardo Caminha (PPS): “Certa vez, ele encontra Cristiano Cordeiro, pernambucano fundador do PCB, e eles se abraçam. Ao perceber um volume, Cristiano pergunta: ‘Você está com um revólver?’ É um martelo. Braga explica: ‘Para quando eu for preso, poder pregar meu terno na parede’”.