Ele, um escritor estadunidense que, aos 50 anos e com um divórcio no currículo, acreditava que o grande amor da vida já não chegaria. Ela, uma mexicana de 26 anos que começa a despontar no ambiente literário. Em Nova Iorque se conhecem. Dois anos depois, no México, se casam. Vivem durante quatro anos uma história de amor intensa e cheia de planos até que uma onda, que foi dar numa praia do Pacífico, acaba com tudo. No dia 25 de julho de 2007, vítima de uma lesão na coluna, Aura Estrada morreu, e Francisco Goldman perdeu o chão. Passou meses de profundo desalento, bebedeiras e alucinações. Até um dia ser encontrado ferido e desacordado na rua. Ao sair do hospital, decidiu que, em respeito a Aura, tinha que viver dignamente. Se fosse um alpinista provavelmente teria atacado o Himalaia, diz. Como é escritor, escreveu. Em 2011, Goldman publicou Say her name(Diz seu nome,em inglês), que recebeu ótima crítica nos EUA e foi eleito o melhor livro estrangeiro do ano na França — lançado também em espanhol, chegará ao Brasil, em breve, pela Companhia das Letras. Nesse romance que mistura memória e ficção (ao recriar a infância e juventude de Aura), Goldman relata, de maneira doce e delicada, seus anos com a esposa e o vazio que enfrentou após sua morte. De sua casa no México, o escritor conversou com o Pernambuco. Leia trechos da entrevista.
Sobre não fugir
“O processo do luto, no meu caso, foi muito severo. O livro mostra o traumático que foi. Fui diagnosticado com vários transtornos mentais, episódios psicóticos menores (alucinações) e depressão. Os especialistas dizem que, se você tem alguém que está no centro da sua vida, que identifica como a sua felicidade e essa pessoa morre em um instante, de maneira violenta, isso te destrói. As estatísticas de pessoas da minha idade que passam por algo assim são muito fortes. Propensão a várias doenças, ao alcoolismo e outras coisas. Dez anos de vida, em média, é o que perdes. Hoje, passados quase seis anos, eu estou muito bem, mas acho que estou assim porque nunca fugi de nada, tentei viver como tinha que viver aquilo.”
Recordar
“Claro que eu penso na Aura todos os dias. Não acho que esquecer seja um bom conselho. Mas o livro não foi meu luto, são coisas à parte. Fiz o luto onde tinha de fazê-lo, com meu terapeuta. Não duvido de que o livro tenha complicado meu luto, mas eu sentia que devia isso à Aura. E, segundo, é o meu ofício. Caí num abismo e cheguei a um ponto em que estava me autodestruindo. Toquei fundo. Falo da noite em que um carro me atropela. Depois disso eu digo: você não vai morrer e tem que fazer algo. Meu trabalho é uma benção, sou escritor, é o único que sei fazer; então, para mim, voltar ao meu ofício era voltar a escrever, e não podia escrever nada além disso. Era o único que me interessava. O processo de escrever foi, de certa maneira, o que a escritora Joan Didion chama de magical thinking, ou seja: negar que o ser querido está morto. Acreditar que ele pode voltar. Essa é a crença mágica. Escrever esse livro era uma maneira de tentar fazer Aura voltar todos os dias. Não é um relato triste, precisamente porque eu estava revivendo a Aura, e, às vezes, nem revivendo, porque escrevo muito sobre a época em que não nos conhecíamos — é quando entra a imaginação. Quando se está vivendo um luto traumático, o passado é muito mais vivo que o presente, é o presente que quase não existe. O passado brota constantemente. Um dia você está casado, apaixonado, e no outro... Você não muda, continua sendo o esposo. Essa é a loucura, é um estado de pura loucura. O passado está ai. Eu me sentava a escrever e a Aura ainda estava.”
Uma promessa
“Na minha imaginação, no bilhete que eu pensava em colocar no caixão — e não pude porque estava lacrado —, constava que, entre outras coisas, eu escreveria um livro sobre ela. Depois, com o livro já publicado, revisei essa nota e vi que não havia escrito isso. O que, sim, estava escrito era que eu publicaria uma coleção com seus textos, o que fiz, e que criaria um prêmio literário com seu nome, que também fiz. E depois me suicidaria. Mas não, eu não sou assim, sempre tive muita vontade de viver. Creio que há muitas maneiras de enfrentar um luto e estou seguro de que nenhum terapeuta dirá para alguém fazer o que eu fiz, mas, sem querer me vangloriar, o que eu fiz foi, da minha maneira, viver aquilo como tinha que viver, como um soldado no front.”
Parte de mim
“Conto no livro que, às vezes, escreviae-mails a Aura depois da sua morte. Ainda o faço. Para mim, é muito importante. Ela é parte de mim agora. É o que Freud dizia: é preciso buscar uma maneira de incorporar essa perda a você. O amor que tive com Aura é parte de mim. Estou tranquilo agora, bem, mas ainda há momentos horríveis, desses em que, de repente, você se lembra da chegada da onda, da morte, e está cheio de incredulidade. Como pode ser? Como pode ter acontecido isso? Não pode ser, não é possível. E o seu corpo se enche de adrenalina, e você chora. Isso pode acontecer a qualquer momento, e isso também fará parte de você, para sempre.”