Há um ano morria Leonard Cohen (1942-2016) e, como ele mesmo diz, “hey, that's no way to say goodbye”. Ficaram as músicas, poemas. Para marcar a data, nosso editor, Schneider Carpeggiani, selecionou quatro poemas de diferentes tradutores.
Dois livros seus de poesia estão no mercado, atualmente: A mil beijos de profundidade e Atrás das linhas inimigas de meu amor, ambos pela editora 7Letras. Em 2018, será lançado The Flame, obra que reúne seus últimos escritos com poemas, canções e afins.
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Uma cura mágica
(Tradução de Diego Zerwes no site traduzindoleonardcohen.com.br, atualmente fora do ar)
Levanto tarde
O dia está perdido
Não dou a benção ao galo
Não levo as mãos à água
Aí está escuro
e olho para todos os pontos
da rua St. Denis
Até falo de religião
com os outros vagabundos
que, como eu, estão atrás de novas mulheres
Na cama adormeço
no meio de um Salmo
que estou lendo
para um cura mágica.
Carta
(Tradução de Jorge Souza Braga e Carlos Tê no livro Antologia Poética, lançado em Portugal pela Assírio e Alvim)
O modo como assassinaste a tua família
nada significa para mim
enquanto a tua boca percorre o meu corpo
Eu conheço os teus sonhos
de cidades arrasadas e cavalos em fúria
do sol demasiado perto
e da noite sem fim
Mas isso nada significa para mim
ante o teu corpo
Sei que lá fora uma guerra ruge
que tu transmites ordens
e bebés são afogados e generais degolados
Mas o sangue nada significa para mim
pois não altera a tua carne
Que a tua língua saiba a sangue
não me surpreende
enquanto os meus braços crescem no teu cabelo
Não penses que não compreendo
o que acontece
depois de as tropas serem massacradas
e as putas passadas à espada
Escrevo isto só para te roubar o prazer
quando uma manhã a minha cabeça
estiver dependurada com a dos generais
do portão da tua casa
Só para que saibas que previ tudo
e que isto nada significa para mim.
Penso sempre em uma canção
(Tradução de William Zeytounlian para a revista Modo de Usar)
Penso sempre em uma canção
Para a Anjani cantar
Vai ser sobre nossas vidas juntos
Vai ser muito leve ou muito pesada
Mas não no meio-termo
Eu vou escrever a letra
Ela vai compor a melodia
Eu não vou conseguir cantar
Porque vai ser muito alta
Ela vai cantar muito bem
E eu vou corrigir seu canto
E ela vai corrigir minha escrita
Até ficar mais do que linda
Aí nós vamos ouvi-la
Não sempre
Nem sempre juntos
Mas de vez em quando
Pelo resto de nossas vidas
A neve cai
(Tradução de Jorge Souza Braga e Carlos Tê, no livro Antologia Poética, lançado em Portugal pela Assírio e Alvim)
A neve cai.
Há uma mulher nua no meu quarto.
Os olhos pousados no carpete cor de vinho.
...
Tem dezoito anos.
E os seus cabelos são lisos.
Não fala o idioma de Montreal.
...
Não quer se sentar.
Não parece ter a pele arrepiada.
Ficamos os dois a ouvir a tempestade.
...
Acende depois um cigarro
no aquecedor a gás.
E deixa cair os seus cabelos longos para trás