Formado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, João Carlos Ferreira Filho é o criador do @JornalismoWando, perfil com 1.355 seguidores na primeira semana de outubro e apenas 1.153 postagens (o que, no mundo Twitter, indica ou que o dono do perfil posta pouco ou é relativamente novo naquele ambiente). O sucesso que acompanha o avatar no qual vemos o rosto do famoso cantor popular (fofíssimo, não acham?) faz sentido: usando expressões como “beijo no coração!”, o perfil alfineta jornalistas e jornais famosos, chamando atenção para a candura não apropriada para suas práticas. Conversamos com João Carlos sobre seu alter ego. “O Wando ficou com ciúmes”, avisou.
Na sua opinião, por que o jornalismo do coração parece buscar sempre o consenso, tem esse caráter quase apaziguador?
Acredito que as faculdades de jornalismo (como todas as outras faculdades) estão mais preocupadas em preparar profissionais que se adequem aos interesses do mercado do que cumprir sua verdadeira função, que é de formar jornalistas que contribuam de alguma forma para a sociedade. A opinião, o espírito crítico e a reflexão não são incentivadas como deveriam, porque não ajudam o jovem que sai da faculdade a conseguir um bom emprego. Pelo contrário, quanto mais dócil e alinhado aos interesses do mercado o jornalista for, mais chances ele terá de ser bem sucedido profissionalmente.
Outra característica do Jornalismo Wando é a tentativa de estabelecer linguagem íntima tanto com o entrevistado quanto com a audiência. Você acha que essa é uma maneira/técnica de angariar mais espectadores/leitores?
Não. Acho que essa é uma técnica usada por jornalista mal preparado. Até porque não é da alçada do jornalista se preocupar com audiência. Conquistar a simpatia do entrevistado não é objetivo da profissão. Isso quem faz é a Ana Maria Braga, o Gugu e o Faustão. Jornalismo tem que ser, necessariamente, formal, sério e objetivo. Afinal de contas, sua função principal é relatar a realidade de forma nua e crua. Infelizmente, uma doçura quase infantil ocupou o espaço da opinião e da reflexão crítica dentro do jornalismo. Esse processo de “anamariabraguização” do jornalismo tupiniquim caminha a passos largos.
Houve um momento no qual jornalistas eram mitificados: a eles estavam ligadas as ideias de coragem, esforço, isenção, verdade, heroísmo. Hoje, a imagem é diferente: jornalistas têm um poder menor de influência e são duramente criticados no espaço da sociedade civil (os denominados blogueiros progressistas são um exemplo). A prática do Jornalismo Wando, a fofura como técnica de trabalho, não seria resultado desse lugar menos legítimo que a profissão hoje enfrenta?
O tal Jornalismo Wando é atemporal. Sempre existiu e sempre vai existir. Mas, é evidente que isso está se acentuando. Acho que existe, sim, esse componente que você citou. Acho que os grandes monopólios de comunicação são os maiores indutores e incentivadores do Jornalismo Wando. Nenhuma empresa vai contratar jornalista que faça críticas que atrapalhem seus interesses. Nenhum empresário de comunicação, por exemplo, aceitaria um jornalista seu criticando uma empresa anunciante ou um ator/músico contratado dessa empresa. Vejamos os últimos ombudsman da Folha de S. Paulo. Passaram jornalistas bastante críticos do jornal pelo cargo. Cansada, a direção da Folha resolveu colocar um profissional alinhado aos seus interesses.
Você acha que esse jornalismo que preconiza o consenso enfraquece a prática jornalística que tem como fim informar, divulgar, provocar o debate?
Sem dúvidas. A natureza da profissão de jornalista está sendo totalmente desvirtuada. Não é à toa que vemos muitos jornalistas migrando para programas de entretenimento, como o Pedro Bial e o Britto Jr. Jornalismo e entretenimento estão cada vez mais próximos. Como diz o @JornalismoWando: “Nasceu com o espírito crítico e investigativo? Então jornalismo não é sua praia, querido. Vá criticar restaurante e cinema ou ser investigador de Polícia. Jornalismo sem sentimento, não faz sentido.”
Há um sentido político do jornalismo fofo – falo dele em si, seu espraiamento, sua força, sua reprodução?
Claro que sim. Não é à toa que jornalista que faz crítica que fere o interesse do patrão é colocado no olho da rua. Isso inibe a sobrevivência de bons profissionais que querem exercer jornalismo de fato. É muito mais cômodo ser fofo e manter seu emprego, do que ser jornalista de verdade e correr riscos. Os poucos profissionais que não se submetem ao esquemão são obrigados a escrever em blogs e na imprensa independente, o que obviamente dá muito menos dinheiro. As poucas famílias que comandam as empresas de comunicação no país têm rabo preso com setores políticos e com grandes empresas. Acaba não sobrando quase nada pra criticar. Aí então, o profissional que já vem “adestrado” da faculdade, chega à conclusão de que é melhor sorrir, ser fofo e garantir o leitinho das crianças.
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Um beijinho em quem ler esta página, pro Fabiana Moraes