Tornou-se um clichê jornalístico ressaltar o grande volume de livros publicados e o crescimento das editoras no Brasil nos últimos anos. Essa nova realidade, de um mercado aquecido e dinâmico, tem tido efeitos notáveis na forma que jornais, portais e blogs tentam cobrir e abarcar esse universo, que vai do relançamento de cânones até os livros de autoajuda. Preso a resenhas, entrevistas regulamentares e avisos de eventos, sobra pouco espaço para uma atividade fundamental para o campo: a reflexão e a crítica literária.

Ainda que a academia continue a produzir, suas discussões e revisões chegam a poucos leitores. Na grande imprensa, são raras as exceções à brevidade de espaço e de debate, normalmente restritas a uma parte – cada vez menor - de cadernos especiais de domingo, como o Ilustríssima!, da Folha de S. Paulo, e o Sabático, do Estadão. Ainda assim, esses veículos parecem ter perdido o protagonismo e a liderança como formas de tornar a crítica literária pública. Ainda que não sejam uma novidade, os suplementos literários vinculados a órgãos públicos, normalmente de periodicidade mensal, ganharam um papel complementar a esse dos jornais, tentando fugir das armadilhas de uma cobertura muito vinculada ao mercado e abrindo espaço para ensaios, críticas mais longas e reportagens sobre o campo.

Um bom exemplo da importância desses veículos é que, a despeito de sua longa tradição – um dos principais do país, o Suplemento Literário de Minas Gerais (SLMG), comemorou 45 anos na sua edição de agosto -, ainda hoje surgem novas iniciativas. A mais recente é a do estado do Paraná, o jornal Cândido, coordenado por Rogério Pereira, também editor do Rascunho. Além deles, existe este Pernambuco e outras publicações de diários oficiais, ainda que mais voltadas para o campo cultural como um todo, como a revista Graciliano, de Alagoas, e o Correio da Arte, na Paraíba.

Já com uma vasta experiência em cadernos culturais, Rogério começou a planejar a publicação do Cândido desde o começo do ano, quando o inclui dentro do plano de leitura da Biblioteca Pública do Paraná. Segundo ele, o processo de concepção do jornal ocupou todo o primeiro semestre, e o suplemento estreou em agosto, trazendo o curitibano Paulo Leminski na capa. “Queremos transcender tematicamente o estado do Paraná e chegar em todo o Brasil, mas com o intuito de dar uma voz a literatura local. Mesmo assim, não vamos nos deter apenas nisso: na edição de setembro, por exemplo, colocamos uma crônica de Ronaldo Correia de Brito”, conta o editor.

O Cândido surgiu em um estado com tradição em suplemento oficiais, como o Nicolau, comandado por Wilson Bueno, que até hoje arranca elogios saudosos de escritores como o cuiabano radicado em São Paulo Joca Reiners Terron. Para Rogério, a nova publicação tem uma relação de respeito pelo antigo veículo, mas com diferenças claras, até porque o seu contexto de surgimento é outro. Com a preocupação definida de falar do livro, da leitura e da literatura, o Cândido, segundo Rogério, tem um perfil também diferente do Rascunho, tentando evitar uma relação de dependência da indústria de lançamentos.

“Nós pretendemos transitar com leveza pelo tema da literatura. Algo que não vamos fazer é crítica ou resenha literária. É um suplemento para divulgar os autores, não os livros, não vamos ficar amarrados à divulgação de pautas de editoras”, define. A ideia do jornalista é ainda tentar equilibrar o espaço entre nomes mais consagrados, o cânone, e autores em começo de carreira. “Não queremos apenas falar da literatura contemporânea, mas falar de escritores clássicos a partir de novos olhares. Temos também uma preocupação com a imagem, convidando ilustradores criativos para trabalhar conosco”, conta.

O Cândido se junta a suplementos governamentais mais tradicionais, como o SLMG. Editado atualmente por Jaime Prado, o caderno foi criado em 1966 sob a tutela do escritor Murilo Rubião, naquela que é a sua fase áurea – não é à toa que Humberto Werneck, membro do conselho editorial da publicação, não poupa elogios aos primeiros anos do suplemento. Ele diz, em texto publicado na edição de agosto do jornal: “Nele escreveram os graúdos da literatura brasileira – uma lista cintilante que não se esgota em Drummond, Murilo Mendes, Antonio Candido, Autran Dourado, José J. Veiga, João Cabral de Melo Neto, Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Osman Lins, Luís Costa Lima, José Guilherme Merquior, Lygia Fagundes Telles, João Antônio, Tristão de Athayde, Antônio Houaiss, Silviano Santiago, Benedito Nunes e até mesmo o esquivo Dalton Trevisan, para citar apenas alguns dos colaboradores fora de Minas Gerais”.

Jaime Prado, que trabalhou pela primeira vez no SLMG ainda em 1969, diz se sentir em casa cuidando do caderno, ainda um dos mais influentes do país. “Tento manter o foco imprimido por Murilo Rubião: fazer uma publicação de bom nível literário com espaço para os que estão começando (como, aliás, o Murilo fez com a nossa turma)”, defende o editor. “E, aqui, ‘começando’ não significa que o autor seja obrigatoriamente jovem: no próximo número teremos a estreia de um contista de 73 anos de idade, de ótimo nível”.

Apesar do peso de lidar com um caderno tão tradicional – Humberto Werneck diz que, em Paris, Julio Cortázar costumava ler o suplemento -, Jaime Prado destaca as vantagens criativas de atuar no SLMG. “Aqui sempre tivemos liberdade para trabalhar, mesmo nos tempos da ditadura. Talvez até mais que em suplementos ‘de jornal’, que podem sofrer pressões econômicas, por exemplo. Não corremos esse perigo”, enaltece o editor.

Outro veículo oficial em atividade é a revista Graciliano, da Imprensa Oficial de Alagoas, que também leva o nome do autor de Vidas secas e Memórias do cárcere. Espécie de irmã da revista Continente, impressa pela Companhia Editora de Pernambuco, também responsável pelo Pernambuco, a publicação não se dedica exclusivamente à literatura, mas sim à cultura como um todo. Com um novo projeto gráfico, ela reúne bimestralmente reportagens, artigos e ensaios sobre os diversos campos artísticos e a tradição popular do estado.

“Nossa intenção é, acima de tudo, garantir a cobertura e a reflexão de manifestações culturais realmente importantes e que sejam de interesse e de acesso público”, explica a editora , Janayna Ávila. “Para construir esse novo projeto da Graciliano, buscamos conquistar novos leitores e, por isso, tudo foi pensado para atender um público mais amplo. A ideia é fazer com que a Graciliano seja uma revista cheia de informações relevantes, mas também bonita, bem diagramada, que dê vontade de colecionar”.

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