I. De vez em quando sinto um mal-estar. Não é muito forte e, para ser sincero, até gosto dele. Para compreendê-lo, preciso pensar com calma, o que sempre me agrada muito. Vou para um lugar silencioso e me deito. Prefiro que não seja no chão. Quanto mais silêncio, melhor. Eu me sinto muito bem em lugares com pouco ou nenhum ruído. Não respeito pessoas que gritam. Essa gente que fica nervosa e, espontaneamente, sai berrando. O fato é que não gosto de pessoas espontâneas. Elas não pensam antes de agir. Uma pessoa que faz algo de repente, seja o que for, é vulgar. Tudo o que é muito veloz e espontâneo me incomoda. Eu sinto aquele mal-estar. É um paradoxo: só aparece quando tenho muita coisa para fazer ao mesmo tempo. Não poderei pensar nele antes de realizá-las. Mas para compreender o tal mal estar, preciso ficar sem fazer nada. Sempre que eu tenho que resolver alguma coisa rápido demais, acabo com uma sensação desagradável, portanto.

II. Não consigo usar o Facebook por mais de dez minutos sem que essa sensação ruim apareça. Então, tenho que me deitar para compreender a origem de tudo isso. Mas eu gosto, apesar de tudo, porque tenho a oportunidade de pensar na minha personalidade. Não vejo nenhuma graça em um blog, por exemplo. Tudo é muito rápido e superficial. Os blogs são espontâneos. A geração-blog é vulgar. As pessoas espontâneas são de fato ridículas. Elas me lembram muito os escritores que querem contar uma boa história. Esse tipo de autor de repente vai gritar. Escritores claros e límpidos acreditam na linguagem. Eles gritam e são ingênuos. A geração-blog, as pessoas que gostando Facebook, todos acreditam na linguagem. Quem faz as coisas rápido demais não pensa em nada. Eu me inscrevi no Twitter. Parecia que estavam me esfaqueando. Os mini golpes não eram fundos o suficiente para atingir o meu pulmão, mas machucaram a minha pele.

III. Tive que desligar o computador e ir para um lugar silencioso. Mas não consegui pensar na minha personalidade. O Twitter não me serviu nem para isso. O auge da espontaneidade e da frase feita me deixou com um mal-estar físico. Procurei pelo corpo, mas não achei nenhum corte. Mesmo assim eu me sentia como se tivessem acabado de ferir a minha pele com um canivete. Não tinham sido golpes muito profundos, mas angustiava. Procurei um lugar silencioso e me deitei, mas dessa vez não consegui pensar na minha personalidade. Lembrei-me, em lugar disso, das últimas visitas do meu amigo André. Ele estava com o braço todo cortado e me mostrava rindo. Os cortes tinham acabado de ser feitos: as cicatrizes ainda estavam com casca. Fiquei perplexo e perguntei o que tinha acontecido. Ele continuou rindo. Quando fui dormir, percebi, por causa do barulho que ele fazia no quarto de hóspedes, a origem dos ferimentos. Assustado, tranquei a minha porta.

IV. Eu me envergonho de ter achado que o André talvez tentasse algo contra mim. Acho que fiz tudo errado. Não achei nenhum lugar silencioso. Não consegui entender nada. Não existe nada que me desespere mais do que isso. Não e não. Quando acordei, fui chamar o André para tomar café e o flagrei cortando a mão esquerda com um canivete. Tive uma vertigem diante dele e, quando retomei o equilíbrio, comecei a gritar. Não me lembro de tudo, mas sei que falei na minha frente você não vai fazer isso. Era final de 2008 e eu estava muito infeliz. Ele riu e continuou se cortando. Fiquei com medo de impedi-lo à força. Hoje sei que ele não reagiria, mas naquele momento eu só enxergava o canivete. E o André rindo. Saí do apartamento. Eu o abandonei porque fiquei com medo. Fui atrás de um lugar silencioso, mas só achei barulho. Só tinha barulho em São Paulo, muito barulho. Não encontrei nenhum lugar silencioso para tentar entender
o que estava acontecendo e isso me incomoda até hoje.

V. Nem no Parque do Ibirapuera encontrei algum silêncio. Não consigo pensar muito rápido. Comecei a ficar cada vez mais desesperado. Subi e desci a Teodoro Sampaio duas vezes. Entrei em todos os cemitérios da região, mas não encontrei um cantinho silencioso. Muita gente estava sendo enterrada naquele dia. Quando eu me sinto oprimido (por não estar conseguindo pensar com muita rapidez), preciso achar um lugar silencioso. Não consigo pensar muito rápido. Naquele dia não encontrei silêncio e depois de andar para cima e para baixo chorando, pedi ajuda para um carro da polícia. Os guardas voltaram comigo ao meu apartamento. O André tinha ido embora, mas me deixara um bilhete. Não se preocupa, não vai acontecer nada com você. Tenho vergonha de dizer, mas me senti aliviado. Resolvi passar o mês inteiro pensando no que fazer para ajudá-lo. Uma semana depois, quando eu estava indo para um lugar silencioso, me ligaram dizendo que o André tinha se enforcado.

VI. Então, saí andando. Não lembro mais o que eu fiz naquele dia. Quando fui ver o Twitter e fiquei angustiado com a velocidade com que as mensagens passavam, procurei um lugar silencioso e acabei me recordando do André. Agora, em março de 2011, não estou mais infeliz e queria que o meu amigão estivesse comigo. Sofro com essa história de que as pessoas que se suicidam não vão para o céu. Semana passada entrei na igreja de Pinheiros. Estava um silêncio maravilhoso. Por favor, Senhor Jesus, eu queria dizer que o André merece ir para o céu. Ele merece muito ir para o céu, Senhor Jesus. Ricardo, essa história é besteira: pessoas que se suicidam também podem vir para o céu. O André está aí, Senhor Jesus? Está sim, Ricardo, o seu amigo veio para o céu. Eu me levantei na mesma hora. Poucas vezes estive tão feliz como agora em março de 2011. Antes de sair da Igreja, pedi para o Senhor Jesus dizer para o André que eu queria muito convidá-lo para o meu casamento.