Como é? Como se faz festa literária? Que pergunta! Não. Bebo não. Quero só uma soda. Veja, primeiro você precisa chamar uns amigos, gente de quem você goste. O quê? Chamar um produtor? É, tem essa galera que faz projetos, coloca nos editais e não sei o quê lá. Mas você não estava falando de festa? Então, tem que ter alma. Antes de tudo. Colocar tudo nisso para que seja verdadeiro, saca? Se você quiser chamar um produtor para ajudar a criar sua festa, beleza, desde que ele esteja com no espírito. Se for seu amigo, melhor. Se não tem espírito, priu. O produtor pode ajudar na burocracia. Quem fornece a cerveja, quem arranja o som, onde ele tem que estar etc. Sem eles não rola, mas eles têm que estar na onda. Hein? Não, não acho que tem que ser profissional, não. O cérebro da produção da FreePorto é um amigo meu chamado Osvaldo Braga, professor de Biologia. Essa lógica de que você fala é outra. Adorno falou disso, né? Opa, valeu, amigão! Soda num dia de sol é massa! Então, essa lógica é outra, é a lógica do produto cultural, feito para os formadores de opinião, para atender às políticas públicas A, B ou C, para justificar a existência das produtoras de eventos, dos cargos comissionados etc. e tal. É o sistema fazendo cultura de acordo com as normas do sistema. Mas tem o lance da contracultura, né não? Que no final das contas é só uma engrenagem a mais do sistema, fazer o quê? Mas é uma tentativa de fazer algo diferente, sair da mediocridade. Fazer uma festa requer cuidado com os convidados, com o som que eles vão ouvir, que no final é o som que você quer ouvir, se não a festa não é sua, é de outra pessoa que criou algo para você ficar bem na fita. Amadorismo profissional! Ou seja: respeito. E respeitar não é colocar uma mesa com drinks grátis pra a galera se embebedar, meu velho. É  diferente, vá por mim. Não é fazer entrada VIP, não, charuto bacana na entrada. Eu fazia umas festas em Gaibu no final dos anos 1990, início dos 2000. Chegou um momento em que havia gente ali que eu nem conhecia. Festas altamente concorridas, mas sem o espírito inicial. Pronto, deixamos de fazer. Então insisto: chame seus amigos para montar a festa e peça que chamem os amigos deles, que, depois de feita a festa, poderão ser seus amigos também. Literatura? Por partes, estou falando de festa. Depois defina um tema. As festas de Gaibu sempre eram temáticas. Jaime, amigão meu, sempre inventava algo diferente. Juntávamos uma galera, cada um trazia o que podia. Hein? Se a gente cobrava entrada? Não, só pedia que quem pudesse ajudar para pagar a comida e a bebida. Penetra? Toda festa tem penetra, né? Mas a gente não ligava não. Só depois. É, quando acabou. Uma festa precisa ter o tamanho certo para ser humana. Se crescer demais, vira outra coisa, vira produto cultural, terceirização de sonhos. Adorno, blá-blá-blá. Já falei nisso, né? Não, quero não. Não fumo nem careta. O que importava era que todos se divertissem. Lá vem você de novo com isso de festa literária. Batatinha. Aceito batatinha, pede aí. Bom, eu tinha falado do tema. A galera de comunicação reclama quando a coisa não... comunica! Dizem que tem que ficar claro para o público e tal, que a proposta, que a comunicação e que e que e que. A diferença entre artistas e comunicadores é que os primeiros podem aceitar que não controlam a mensagem, que isso é irrelevante.  Tem alguns que até não, que acham que mandam no texto e se você interpretar outra coisa você é um jumento. Tenho essa possessividade com a obra não. Com arte é assim, porque o que importa talvez é o que você faz com sua vida a partir do que produzo com minha arte. O que eu queria dizer é tão insignificante diante disso, né não? Seria tão mesquinho se eu criasse algo só para que me ouvissem, só para que me entendessem. É mais que isso, né não? Então a gente cria um tema, que pode ser algo completamente absurdo como inventar um país imaginário chamado Nova Bulgária e chamar os escritores que a gente conhecia para serem governantes desse país. Aí inventar que a festa seria a celebração desse novo governo, brincar de faz de conta e criar uma história em conjunto com todos os participantes. RPG? É, um negócio meio RPG cabeção feito entre escritores e leitores, é. Aí a galera da comunicação diz que não comunica. Garçon, outra soda! Posso pedir mais batatinha? Beleza. Definido o tema, explique-o para seus amigos, peça que eles criem também e deixe rolar, porque daí a festa vira de todos. Chame uma galera responsa para dar uma cara à sua ideia. Escritório de design? Claro, desde que a galera entenda também a ideia, seja parceiro e viaje com você. Lembra do amadorismo profissional? É quando os profissionais envolvidos amam o que estão fazendo, cara. Arranje uma galera que possa ajudar a financiar a coisa. Podem ser amigos que tenham recursos como som, uma casa legal, acesso a gráficas para rodar o material etc. Em Gaibu tudo era com a gente. Se a ideia é fazer um lance maior, rola explicar de novo a ideia pra algumas empresas. Alguém que pague os folhetos, outro que consiga o lanche, outro que faça um preço bom pro som. Os amigos ajudam na produção. Consiga uma maneira de recompensá-los, mesmo que seja com cinquenta contos para ajudar na passagem ou até um abraço forte. Recompensar vai além do dinheiro, muito além. Divulgue do jeito que der, se preocupando mais em preservar a ideia do que cumprir as metas do mercado. Faça a festa acontecer. Divirta-se ao máximo. Acho que é isso. Como se faz uma festa literária? Rapaz, sério, não tem que ser diferente não. Eu diria o seguinte: arranje uma galera que goste de literatura, que ache que literatura não precisa de gravata, de gabinete, que ache que literatura flui pelas veias, em cada esquina, em cada mesa de bar, nas academias, não só nelas, nas universidades, nos corredores, principalmente neles, no quarto do seu filho, debaixo de um pé de pau em Buíque, no olhar da minha  mãe, na hora do almoço dos comerciários, no ônibus voltando pra casa. Se achar uma galera que pensa assim, que literatura é bem mais do que pompa, ego, índice de status social, vitrine para cargo público, trampolim para as colunas sociais, desculpa para ser alternativo porra-louca, revoltadinho classe média, maneira de se associar à “novíssima geração literária” ou à lendária “geração 69”, forma de posar de intelectual nas rodinhas descoladas, você está feito. Porque sua festa literária terá espírito. Eu já falei do respeito? Pronto! E respeito, fera. Mantenha o respeito. Que vai bem além de dar um cachê pra se arrombar ou colocar os convidados em hotéis cinco estrelas ou dar festas bombadas VIP mother fucker. Porque respeitar um escritor é, antes de tudo, ouvi-lo, dar a atenção que ele merece por ser seu convidado, por ser quem é, por ter algo a dizer, por fazer parte de sua viagem. Respeito pelos leitores, dando o máximo que você puder de si em cada detalhe, mesmo que eles não entendam tudo, que achem uma ‘viagem’. Respeito, respeito, respeito. É isso, eu acho. Eita, chegou a batatinha de novo. Quer ketchup?

Wellington de Melo é escritor. Produz, com Artur Rogério e Bruno Piffardini, a FreePorto – Festa Literária do Recife.