A Companhia das Letras lança neste mês uma edição ilustrada de As cidades invisíveis – talvez o mais conhecido livro do italiano Ítalo Calvino (1923-1985). A obra nos mostra a potência da existência humana por meio da cidade, que surge como um símbolo complexo, poderoso, inesgotável e pungente. Um livro que, com os debates sobre o direito à urbe e ocupações de espaços, tem sido revisitado por boa parte dos que acreditam em uma cidade de usos coletivos. Em virtude disto, convidamos o escritor Fernando Monteiro para indicar leituras do italiano. Monteiro é poeta, cineasta e romancista, autor de diversas obras – entre elas Aspades etc, O livro de Corintha e a coletânea de contos Armada América.
Monteiro optou por fazer um comentário geral sobre o autor e sua importância para, dentro de seu raciocínio, sugerir três obras iniciais para que o leitor comece ou recomece a ler a obra de Calvino.
A nova edição de As cidades invisíveis é traduzida por Diogo Mainardi, com ilustrações de Matteo Pericoli.
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O contato com o italiano Ítalo Calvino implica em perceber o quanto a literatura foi para sempre mudada, na modernidade. Ele não foi, sozinho, quem detonou tais mudanças, porém é um daqueles autores nos quais elas se acham mais claras através da névoa, paradoxalmente, de uma "fabulação" centrada em si própria – sem se desconectar, entretanto, das aparências do simulacro. Ocorre pensar, diante delas, naquela antiga imagem dos "palácios da mente", com longos corredores de ficção sobre ficções projetadas nas paredes de relatos que não são mais "histórias", mas, sim, algo assimilado àqueles sonhos interrompidos que nos acordam da sombra do sonho da vida. Com essa clareza aérea, Calvino escreveu O visconde partido ao meio, As cidades invisíveis e Se um viajante numa noite de inverno (entre outros títulos singulares), para falar de um morto que se divide em dois (a fim de "matar" dois eus de uma só cajadada?) e de cidades que nunca existiram – pela boca do viajante veneziano Marco Polo – e do eterno recomeçar da narrativa que nunca prossegue, ou que nunca se "fecha" num final (afinal) inexistente na obra aberta para a Linguagem ao invés da peripécia, e\ou para a Poesia no lugar de todos os lugares que lhe pertence (por herança e direito, no "coração da matéria").