alerie hightower

 

 

A palavra polarização está longe de ser um monopólio brasileiro diante dos conturbados dias políticos. A vitória de Trump colocou os Estados Unidos num misto de vergonha e euforia como poucas vezes visto. A ansiedade diante da posse que ocorre nesta sexta, dia 20, do ex-apresentador de reality show é muito maior para as parcelas gay, feminina, negra e imigrante na América – públicos que foram constantemente alvo de suas falas desastrosas durante o período de campanha.

Aproveitamos a posse do novo presidente para fazer uma lista de livros recentes que apontam o que significa ser estrangeiro nos Estados Unidos. Uma identidade que, mesmo antes do início da era Trump, era território bélico.


A fantástica vida breve de Oscar Wao (Junot Díaz) – O escritor dominicano Junot Díaz não acredita em realismo maravilhoso. Mas em sua ficção criou um realismo para falar da vida de imigrantes que só pode ser caracterizado como “maravilhoso”. E, por “maravilhoso”, entenda o estrangeiro que olha o novo mundo à sua frente com a perspectiva do que deixou para trás. Um estrangeiro nunca está em um só lugar. Nem fala uma língua apenas – a literatura de Díaz é cheia de neologismos, gírias e mistura inglês com espanhol. A fantástica vida breve de Oscar Wao (ganhador do Prêmio Pulitzer de Ficção de 2008) é frequentemente citado como um dos mais influentes livros desse começo de século. Nada mais justo: assim como seus personagens, estamos em trânsito e maravilhados. Mas “maravilhados”, como nos ensinou os primeiros viajantes europeus para a América, não é apenas uma visão de beleza. É uma palavra em interjeição, é um não saber o que fazer ou o que dizer.

Americanah (Chimamanda Ngozi Adichie) – Chimamanda tem sido uma das intelectuais mais virulentas contra a vitória de Trump. Num texto recente, escreveu que o conceito de vitória – fascínio maior dos Estados Unidos – não absolve. Em Americanah, a jovem Ifemelu se muda de uma Nigéria atravessada por um golpe militar para a promessa de liberdade da América. Mas acaba se deparando com o horror da cisão racial misturado ao fascínio pela Terra que escolhera. “Querido negro Não Americano, quando você escolhe vir para os Estados Unidos, vira negro. Pare de argumentar. Pare de dizer que é jamaicano ou ganense. A América não liga (...) E daí se você não era negro no seu país? Está nos Estados Unidos agora. Os negros não devem ter raiva do racismo. Se tiverem, ninguém vai sentir pena deles”, discursa a protagonista, numa fala que diz muito sobre os dias que seguem.

Cidade aberta (Teju Cole) – O romance de estreia do escritor nigeriano já começa falando sobre descobrir “um bom caminho para se entrar na cidade”. É a cidade que precisa ser acessada ainda que nela já se esteja (o título do romance faz referência a um território que, rendido, não é atacado durante uma guerra). O livro retrata a vida de um jovem psiquiatra nigeriano por uma Nova York pós-11 de setembro, que por longas caminhadas noturnas descobre não apenas o lugar-comum dos imigrantes – ou seja, a solidão –, também os perigos de viver num mundo repleto de segurança por todos os lados.