POLÊMICA

Dona Lygia, a senhora me desculpe. Mas é que a senhora acertou mesmo. A estrutura da bolha de sabão só pode, de fato, ser o amor. Não sei se é por que a gente fica olhando, vidrado, na tentativa de adivinhar para onde a danada da bolha vai. Não sei se é pela coisinha delicada que é.


Toda a gente sabe que se tocar na bolha, ela estoura. A gente pode chegar perto, acompanhar com os olhos e ir atrás, feliz, pra ver se guarda no coração todas as cores que tem ali. O menino pode querer ver o mundo por dentro da bolha.


Sonha que se esconde e some dentro dela. Que a bolha de sabão, toda faceira, desaparecerá em segundos, muitíssimo contente. A mocinha, diante de tanto fascínio e alumbramento pela tal bolha de sabão que deve ser mesmo o amor, resolve decidir que vai ser bolha de sabão dali pela vida. Acha que não soube ser amor e que já é bem grandinha, dona do próprio nariz e da decisão do que quer ser depois de grande.


A vida, esta danada, proverá a mocinha de alfinetadas, pra mostrar que ela não tem como sumir de uma hora pra outra, que isso tudo não é assim nem assado, deve ser de outro jeito que a vida ainda não possui meios de lhe explicar ou fazer entender. Volte a ser pessoa, será mais inteligente.


Concordo com a insistência da garota e acho que a gente bem que poderia ser coisa que voa, que tem milhares de cores e que desaparece. Se não é assim, a gente poderia ser sentimento. Não fazer sentido, não ter linha pra andar, conta pra pagar, risco pra correr. Era e pronto. Sem dar satisfação.


Eu seria rebeldia e ficaria mudando de país umas três vezes no ano. Depois, tirava férias, passava uns tempos escondida e ressurgia de novo, com bem muito pra fazer. Minha vida seria longa e intensa. Não inventaria de ser alegria. Isso todo mundo já deveria ser.


Longa e intensa. Com briga, com discussão, com organização para desorganizar não sei que lá.


E eu achava que ser bolha de sabão era complicado porque era o amor e amor é um negócio meio esquisito. Bom de sentir, é verdade. Dá medo querer ser um sentimento que pode durar anos mas também pode morrer em segundos. Deixa lá pros afoitos.


Acho que vou querer continuar gente mesmo. Pra sair correndo atrás da bolha de sabão, enquanto escolho rebeldia.

 

 

Pedro

Era 1992. Jovens brasileiros saíam às ruas e se tornavam caras-pintadas. Meu pai olhava, com orgulho, pra bandeira do PT, guardada no canto das coisas antigas da casa. Havia votado no analfabeto nordestino e não no playboy. Naquele ano, meu aniversário não teve festa (minha mãe traquinou com a lente de contato e usava tampão no olho), mas na foto do bolo “pra não passar em branco” me achei menos feia que de costume. Primeira vez na vida achava isso. Queria que ele estivesse lá pra ver. Queria dar aquela foto pra ele.


Eu estava com oito anos e alguma coisa do meu futuro se rascunhava ali. Em 1992, ano bissexto, pensei em estudar Jornalismo ou Direito. Queria alguma coisa que “botasse corrupto na cadeia”. O mundo era mais fácil nessa época.


Neste mesmo ano, me apaixonei pela primeira vez. O primeiro amor. Talvez, meu determinante no amor. Pedro foi o primeiro menino a segurar na minha mão. A me deixar nervosa, implicante, apaixonada.


Ele era novato. Entrou na minha turma depois do começo das aulas, inclusive.


Pedro não era bonito. Mas era magro, alto. Não chegava a ser loiro. Era mais velho, já tinha reprovado duas vezes. Pra mim, ele era um rebelde. Eu nunca quis um príncipe. Sempre quis um revolucionário. Ele era um menino que parecia ter opinião. Na segunda série, qualquer coisa é uma opinião. Cabelo grande mesmo, feito o que ele tinha, era discurso inteiro.


Ele sentava nas últimas cadeiras. Eu também, por causa da altura. Esperei com o coração na mão junho chegar, seria minha chance de ficar mais perto ainda dele. Época de quadrilha. As professoras ordenavam os pares pelo tamanho e eu tinha grande chance de dançar com aquele menino que me dava frio na barriga todos os dias de manhã. Mas, Pedro, questionador Pedro, não quis fazer parte do São João do colégio.


Foi brigando comigo, no fim do segundo semestre, querendo roubar minha lapiseira lilás de passarinho, que Pedro pegou na minha mão. Ele numa banca e eu na do lado. Nossas mãos ficaram entrelaçadas que nem às dos casais dos papéis de cartas que eu não colecionava (afinal, eu queria ser diferente das outras meninas).


E Pedro saiu do colégio antes do fim do ano para morar em Portugal com a família.


A lapiseira lilás deve estar guardada até hoje em algum lugar do meu guarda- roupa. Morou por anos na minha mochila. No bolso da frente, fácil de achar. Rafael tinha olhos verdes e era bonito. João Paulo me defendeu numa briga. Mário me levou na coordenação quando rachei meu dente no chão. Mas, nenhum era Pedro.


Os namoros que duraram foram sempre com meninos com algo de Pedro. Adolescente, meu primeiro beijo foi um magrelo, alto, repetente e de cabelo esquisito. Um que namorei por três anos era magrelo, alto, meio revoltado com o mundo. O que eu queria pra marido era líder de movimento estudantil, 1,93m.Hoje, é sindicalista.


 Encontro meu amor por Pedro sempre por aí. Indo e vindo, o tempo todo.


(Na verdade, reencontrei Pedro, em 2001, ano do vestibular. Em outro colégio. Escrevi cartas anônimas – coisa que aprendi quando me apaixonei pela segunda vez-, e passei um recreio conversando com ele. Mas, era 2001. Pedro já não era tão Pedro assim).