Cronica Hana Luzia 01 julho2020

 

Antes mesmo da pandemia, o mercado editorial brasileiro passava por um dos períodos mais turbulentos de sua história. Os pedidos de recuperação judicial das grandes redes (Saraiva e Cultura) trouxeram problemas ainda maiores a reboque: o achatamento de distribuição, monopólio, além da falta de apoio para os setores de educação e cultura do governo atual.

Temos o exemplo do Prêmio Jabuti e seu (agora ex) curador, que postou texto em uma rede social minimizando não só a covid-19, mas as mortes que ela causou e ainda causará. Editoras e livrarias não possuem um plano de apoio para esse período: cerca de 84% das editoras recorreram à Medida Provisória 936/2020 para reduzir os salários dos funcionários. Várias editoras e livrarias demitiram ou deixaram de contratar profissionais. Livros estão saindo da grade de lançamentos do ano ou simplesmente deixarão de ser editados.

Sei da importância de prêmios literários para autores, tanto pela questão monetária em si como para a divulgação do trabalho para outras mídias, e mesmo países. Mas a questão é: de que adianta prêmio para melhor livro e melhor design se não tivermos quem faça o livro (editora), imprima (gráfica), venda (players — livrarias, lojas, marketplaces) e compre (clientes-leitores)? Não seria hora de um apoio conjunto para a cadeia do livro? E para trabalhadores terceirizados, como tradutores, revisores e diagramadores?

Pensando nisso, não é o momento de deixarmos os prêmios literários de lado para podermos ajudar o mercado como um todo?

Além da cadeia do livro como negócio, temos, em paralelo, saraus, bibliotecas comunitárias, leituras coletivas, contações de histórias que estão acontecendo sem nenhum suporte ou apoio. Formação do leitor deve começar a ser vista como parte fundamental para expandirmos esse mercado de maneira mais universal.

Muitos podem responder que a Amazon continua pagando e fazendo compras substanciais de livros. Mas até quando? E quando começarem os pedidos de desconto cada vez maiores? E se esse player compra toda uma edição, isso não é prejudicial para o crescimento de todo mercado? A Amazon comprará de todas as editoras ou será feita guerra de preços e leiautes de livros em domínio público para que apenas esse player tenha?

Quem ganha com isso? Terceirizados terão que reduzir o preço de seus serviços. Com o aumento do dólar, aumentou o preço do papel, e isso eleva (e muito) o custo de impressão dos livros. Pode acarretar a perda de qualidade na produção.

Apesar de todo cenário de caos que vivemos desde 2018, o ano de 2019 foi melhor do que os anteriores, de acordo com o levantamento mais recente, realizado pela Nielsen sob coordenação da Câmara Brasileira do Livro e do Sindicato Nacional dos Editores de Livros. O único subsetor que apresentou queda nominal no estudo foi o “CTP” (livros científicos, técnicos e profissionais), e isso pode ter vários significados, como a gamificação do Ensino Superior (a elaboração de jogos pedagógicos em substituição aos livros), fechamento de livrarias especializadas, apostilas para cursos técnicos e superiores elaborados pelas instituições ou, talvez o mais triste dessa equação, a redução de estudantes no Ensino Superior no Brasil.

Do outro lado, temos o subsetor “Obras Gerais” (livros considerados de “interesse geral”, incluindo aqueles de colorir) com crescimento de 27,5% graças à efetivação do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD) Literário, cujas vendas foram suspensas em 2018 e retomadas no ano passado. O PNLD oferece livros (didáticos, literários, material de apoio) para alunos e professores das escolas públicas e instituições comunitárias de Educação Infantil do país.

São números que não representam um fluxo normal de vendas, mas sim um período (no caso, 2019) cheio de exceções. Isto torna ainda mais complexos este ano e os que virão.

Os livros digitais são um capítulo à parte, pois neles preço, comercialização e formato dependem muito de como é feita a coordenação pelo autor ou pela agência que o representa. Sem contar que muitas editoras têm receio desse formato, por medo de pirataria — talvez por isso algumas editoras só entraram no digital agora. Mas, quem sabe, este seja um novo momento para o livro digital e o audiolivro no Brasil.

É válido lembrar que o modelo de consignação existe apenas em alguns países da América Latina. Nele, as livrarias recebem (ao invés de comprarem) os livros das editoras e os colocam em suas prateleiras, prestam relatórios mensais de venda e dividem o lucro do que foi vendido. Nos outros países, prevalece a compra regulamentada com direito à devolução, o que ajuda a fazer o movimento de caixa ser mais real para ambas as partes.

Um modelo interessante de negócio coletivo é a plataforma digital Bookshop, na qual várias livrarias vendem obras como marketplace e, também, para o leitor encomendar na sua livraria preferida. E, caso não tenha a obra em estoque, a livraria pode comprá-la de outra. Assim, todo mundo sai ganhando. Outro exemplo é a Bookstore Link, por onde é possível buscar uma obra pelo título ou ISBN (registro internacional de identificação de livros), e que permite acrescentar o nome de uma cidade para refinar a busca por uma livraria independente em que esteja disponível o livro procurado.

É urgente que possamos convergir leitores, profissionais e formadores de opinião num mesmo objetivo: a realização do livro, em qualquer formato, físico, e-book ou audiolivro. Deve ser um momento de reinvenção de um mercado.

É momento de um olhar mais crítico e ao mesmo tempo gentil com que tipo de editor ou livreiro alguém é ou quer ser. O leitor precisa saber o quão responsável por essa cadeia ele é. Há necessidade de fortalecimento de instituições que trabalham para o livro e em prol do mercado. Por isso talvez seja hora não de prêmios literários, mas sim de suporte para os trabalhadores da literatura que pedem ajuda há muito tempo.

Em A arte de ler ou como resistir à adversidade, Michele Petit sintetiza tudo isso: “Ler não isola do mundo. Ler introduz no mundo de forma diferente. O mais íntimo pode alcançar neste ato o mais universal”.