O cansaço político e a literatura como fonte possível para entender o país. São alguns dos temas da crônica abaixo, assinada pelo escritor e pesquisador José Luiz Passos (Catende - PE, 1971) sobre o atual momento político do país. O próximo romance de Passos, O Marechal de Costas (Alfaguara), será o tema da nossa capa de outubro.
"A história acontece primeiro como tragédia, depois se repete como farsa", escreveu Karl Marx em O 18 Brumário de Luís Bonaparte. É o primeiro prisma de leitura que vem à mente quando se fala em O Marechal de Costas. A narrativa intercala história do tempo de Floriano Peixoto como presidente do país (1891-1894) e do Brasil de hoje. Floriano era vice, mas assumiu a presidência após Deodoro da Fonseca sair em meio a uma crise política. Seu dever era convocar novas eleições, mas se manteve no poder graças a melindres hermenêuticos da Lei. É um livro político por expor de forma romanceada alguns paralelos sociais entre o fim do século XIX e o início do XXI.
A obra será lançada em novembro. O livro já estava finalizado quando Passos resolveu retomar o processo de escrita para incluir um excerto do discurso da ex-presidenta Dilma Rousseff.
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Um amigo querido me falou o seguinte:
“Estou triste, desligado emocionalmente do agora ex-governo. Uma pessoa que apoiou calorosamente o afastamento de Dilma me disse, numa retórica cínica, um dia desses, que quem havia votado em Dilma era culpado por Temer ser Presidente. É verdade, temos que admitir isso. Neste caso, o que me preocupa não é o cinismo – pois as pessoas pareciam tomadas por um transe –, mas o indicativo de quão frágil será esse governo, e isso vai ter consequências para todos. Enfim, quem era pedra agora é vidraça. Na minha opinião, a crise continua.
“Estou vivendo um autoexílio aqui no Brasil. Tenho me mantido distante desse tema ao máximo possível. Desde abril escolhi a dedo com quem conversar sobre o assunto. Sobraram três pessoas.
“Assusta o ódio anti-Lula e anti-PT. Ando de cabeça erguida e com o coração tranquilo, tenho plena convicção do que o fiz no governo, e se não fiz mais foi por falta de oportunidade. Mas não sou tolo. Quando estive perto do lixo, vi que aquilo era intolerável e pedi para sair, mesmo tendo sofrido uma pressão enorme.
“É impossível ficar totalmente alheio. No dia da defesa de Dilma acompanhei pela tevê e li os noticiários. Não vale a pena seguir as notícias e conversar com as pessoas tentando chegar ao fundo da questão. Qual é a base do problema? De onde vem isso? Provavelmente da época de Floriano Peixoto, que também foi um vice que se impôs. Tenho um olhar distante para como esse governo que está sendo montado. Não há chance de dar certo. Lamento pelo nosso país.
“Cá entre nós, até acredito que alguns projetos importantes que estavam paralisados serão retomados. Um colega que transitou do governo anterior para este me pediu sugestões. Atendi com toda boa vontade.
“Dilma não teve capacidade de criar um acordo mínimo de convivência após a última eleição. Era difícil, mas era possível. Mas Temer, pacificador? Os ânimos estão ainda mais exaltados. E eu, exausto disso.
“Marx, num lindo texto sobre a classe média inglesa, disse que a onda industrial que fez brotar o ressentimento dos trabalhadores com a aristocracia se amplia na migração desse conflito que, hoje, opõe o proletário à classe média. Aliás, no saudoso século xx a agitação política dos trabalhadores ensinou a classe média a odiar o confronto político aberto, nas ruas, pondo abaixo as instituições do conforto. É como na canção que diz, ‘Família não joga pedra em janela, joga pedra no gari’. O famoso sambinha que, apesar de paulista, tinha jogo de cintura, concorda? Grande samba político, enganou até a ditadura. Enfim, a classe média ainda hoje imita a aristocracia na pose dos seus idealismos descolados do mundo real. Mas um dia vai ver que a reputação é monopólio da nobreza de terra, logo em seguida vai ser fisgada por uma dessas filosofias do pós-moderno. Orgulhosa de tomar a via do prazer. Vai ver os filhos sendo arrastados para fora das universidades, a educação entregue a um bando de retrógrados, os evangélicos se metendo na política, e a polícia levando no domingo todo mundo pelo braço à igreja.
“Me desculpe o desabafo.
“Enfim, acho também que temos que relativizar todo esse drama brasileiro. Isso faz parte de uma democracia que luta para se firmar. Mas precisamos olhar um pouco além do nosso umbigo nacional. Se puder, leia as crônicas de Machado de Assis. As de Bons Dias!, por exemplo. Leia e releia. As crônicas dele na semana da Abolição e, depois, às vésperas da proclamação da Republica são ferinas.
“Onde está o nosso cronista de hoje que vá e faça uma dessas? Que diga o que Lima Barreto disse sobre Floriano Peixoto e os seus contemporâneos?”