Ilustração por Karina Freitas

 

Há uma estrela chamada Borges,e todas as noites os contistas olham para o céu tentando encontrá-la. Olham com a esperança de que essa estrela distante chegue um dia mais próxima ou que ao menos Carlos Wieder* apareça com alguma poesia aérea.

 

Um desses contistas esperançosos me questionou dia desses no Facebook, sobre a derrocada do conto no Brasil, a partir dos anos 1980 e o porque de eu ter montado um selo exclusivo para contos. E lá fui eu, com a tecla em riste e o sorriso cínico de um Sensini**, dizer que era sobretudo uma questão política e mercadológica. Nos anos 1970 tínhamos grandes contistas e boa vontade das grandes casas editoriais, agora temos grandes contistas e nenhuma vontade das grandes corporações editoriais. Agora é giro rápido, mídia e grana. Em algum momento os editores passaram a achar que o romance é que deveria ser lido no Brasil: mais fácil de vender e promover. Uma lição que aprenderam com os enlatados estrangeiros de giro rápido, então forçou-se à cultura do romance. A literatura brasileira passou por um processo de pasteurização, isso sim, pois muitos escritores abandonaram o conto com medo de não serem publicados, ou de não terem leitores...Meu amigo virtual soltou umas afirmações desconexas, e eu, com uma espécie de trunfo, ou de epifania, larguei essa, temeroso pela incrudelidade do interlocutor: Um país que tem contistas vivos e em atividade como Dalton Trevisan, Luiz Vilela, Sérgio Sant’Anna e Rubem Fonseca, é, obviamente, o país do conto, isso sim. Então acho que vale a pena brigar por isso. E continuei, mais agudo ainda: O discurso de que conto não vende é verdadeiro, sim, mas conto não vende porque não se publica, a cada 50 ou 100 livros de uma grande editora sai um de contos, por exemplo. Então não há espaço, não há vontade. Olhe para a América do Norte, por exemplo, contistas como Alice Munro, Lydia Davis, Wells Tower e George Saunders têm espaço nos jornais e nas editoras, algo inimaginável nos dias de hoje por aqui. E quem não deu espaço fui eu, mesmo percebendo o pontilhado na caixinha do Facebook: Mas há grandes contistas em todos os cantos do país, e eu digo para eles, não desistam, não aceitem que lhes digam o que fazer, literatura é atitude perante o mundo, então que o conto seja o coquetel molotov contra o mundo, ou contra o bunda-molismo editorial.

 

Convenci o nobre escriba de que ser contista era massa, era indie, o fino da bossa, muito mais cult do que ser poeta, pois as editoras andavam publicando mais poesia do que contos. Pois coletâneas de poemas vendiam 10 mil exemplares, como no caso do Leminski, e que até o Gregorio Duvivier andava publicando poesia. E que havia mais inscritos em poesia nos grandes prêmios do que livros de contos, e que estávamos no gueto, mas o gueto era nosso, nosso.

 

Ele me agradeceu efusivamente e disse que sim, sim, ele era um constista e seguiria quixotescamente mundo afora. Um molotov, isso, um molotov, ele deve ter pensado. E essa é a palavra que me move também, na escrita e na postura diante da vida, da arte e do mercado editorial. Há quatro anos criei o Festival Nacional do Conto, o único evento destinado exclusivamente ao conto da América Latina, para discutir o gênero e dar espaço aos contistas, sempre alijados das programações de festivais, feiras, semanas do livro… O evento acontece em Florianópolis e é um pequeno espaço ou zona autônoma temporária em que o conto impera, onde o contista é quem dá as cartas. Não satisfeito, e achando que a tática de guerrilha teria que ser mais acirrada, criei, com o Tiago Ferro, da E-galáxia (uma editora e distribuidora digital), o selo Formas breves, que publica um conto por semana, com capa e tudo que manda o figurino, ao preço de R$ 1,99. E qualquer pessoa com acesso à internet pode comprar, basta procurar nas lojas Apple, Amazon, Google Play, Iba, Cultura, Saraiva et cetera... Autores como José Luiz Passos, Nuno Ramos, Elvira Vigna, João Anzanello Carrascoza e muitos outros embarcaram no projeto, com contos exclusivos. E dez vezes conseguimos colocar os contos na lista de mais vendidos da Apple Store, na categoria ficção, na frente de livros de Paulo Coelho ou dos best-sellers do momento. A glória, a glória! A coleção é meu xodó, eu mesmo escolho as capas, seleciono os textos, convido alguns autores especiais, cuido da divulgação, tudo com o suporte da E-galáxia, e é o meu movimento, minha revolução portátil. E sei que lá do alto, a estrela Borges, que brilha todas as noites intensamente pelo sonho de cada contista, pode um dia brilhar mais e mais.

 

* Personagem do livro Estrela distante, de Roberto Bolaño.

** Personagem do conto homônimo que abre o livro de contos Chamadas telefônicas, de Roberto Bolaño.