arteSobreFoto EmilyDickinson VF 01 WEB

Emily Dickinson (1830-1886) é um dos principais nomes da poesia dos Estados Unidos de todos os tempos. Embora prolífica, não publicou nenhum livro em vida (apenas 10 poemas foram publicados em jornais regionais, alguns de forma anônima). Nasceu e morreu em Amherst (no estado de Massachusetts) e teve uma vida reclusa. Sua obra, originalíssima, reúne cerca de 1800 poemas que foram encontrados após sua morte, organizados em 40 folhetos costurados a mão (chamados de “fascículos”). Praticou uma poesia gnômica, de extrema concisão, com uso de rimas toantes, capitalização de algumas palavras e pontuação anticonvencional. “Viver é algo tão espantoso que sobra pouco tempo para qualquer outra coisa”, escreveu. O espantoso é saber que sua poesia completa só foi publicada em 1955.

 

Tem certas borboletas
Nos Pampas do Brasil —
Que voam ao meio-dia — e só —
Belas — sem Hora Extra —

Algum aroma — expressa — e passa
Sujeito às suas Colheitas
Como as Estrelas — vistas de Noite —
Estranhas — Esta manhã —

***

Não sou Ninguém! E você, é quem?
Você é — Ninguém — também?
Então há dois de nós?
Não conte! senão espalham — rapaz!

Que triste — ser — Alguém!
Que público — como a rã —
Dizer seu nome — ano a ano —
Para um só fã: o Pântano!

***

Me escondo em minha flor,
Que fenece afinal em seu vaso —
Você sente por mim — sem se tocar —
Quase uma solidão.

***

Ver o Céu de Verão
É Poesia, nunca está preso entre Capas.
Poemas de verdade escapam.

***

Pressentimento — é a longa sombra — no Quintal
Sinal de que o Sol é mortal —

Para a Grama assustada, um aviso,
As Trevas — estão a caminho.

***

Noites Selvagens! Noites Selvagens!
Se estivesse a teu lado
Noites selvagens — seriam
Nosso luxo e pecado!

Fúteis — os ventos —
Para um Coração no porto —
Abaixo os Compassos,
Abaixo os Mapas!

Remando no Éden —
O Mar — aqui!
Quem dera esta noite — ancorar —
Em Ti!

***

O Enigma decifrado
Recebe rápido desdém —
Nada estraga mais rápido
Que a surpresa de Ontem —

***

Deus é mesmo ciumento —1
Ele não suporta
Ver que preferimos brincar não com Ele
Mas uma com a outra.

***

Nossas vidas são Suíças —
Tão tranquilas, tão frias,
Até que uma tarde os Alpes
Esquecem de fechar suas Cortinas,
E conseguimos ver além.
A Itália, ali, do outro lado!
No meio, qual guarda feroz,
Os Alpes solenes,
Os Alpes sirenes,
Para sempre entre nós!

***

Saí bem Cedo — Levei meu Cão —
Fui visitar o Mar —
As Sereias do Porão
Saíram pra me admirar.

As Fragatas2 — no Andar de Cima
Estenderam Mãos de Cânhamo
Me tomando por uma Ratinha3
Na praia — onde chegamos —

Nenhum Homem me tocou — até
Que a Maré molhou meus Sapatos —
E avançou até meu Avental — meu Cinto —
Subiu até meu Corpete —

Parecia querer me comer
Como Gota de Orvalho
Presa num Dente-de-Leão
Daí — fugi — sem um talho —

Ele me seguiu — bem de perto — senti
Seus Pés de Prata pelas orlas —
Nos Tornozelos — Meus Sapatos
Transbordaram de Pérolas —

Até cruzarmos a Cidade Sólida
Ninguém o cumprimentou —
E curvando-se pra mim — com um olhar
Altivo — O Mar se retirou —

***

Que Esses tenham morrido nos dá
Calmante na hora da morte —
Que Esses tenham vivido, diploma
De imortalidade.

 

NOTAS

1 Referência bíblica ao Deus como ciumento ou zeloso no livro Êxodo (20:5 e 34:14).
2 Palavra ambígua: Fragata, além de pássaro marinho, é um navio de guerra.
3 Mouse (rato) também é um tipo de laço náutico. As cordas dos navios eram feitas de cânhamo (Hemp).