Crédito: Arte sobre foto de Victor Correia/ Jornal Laboratório da UNB
Decidi traduzir esses poemas depois dos fatos de 31 de agosto de 2016, pela proximidade dos dois textos a algumas preocupações extremamente atuais. Elegante como o de costume, Frank O'Hara aborda dois temas que despertam especial interesse entre artistas e produtores culturais brasileiros no contexto pós-golpe. Primeiro, em relação às diferentes linhas de análise política do Brasil atual e suas contradições; segundo, enquanto artistas, como faremos para nos colocar nesse cenário e como sobreviveremos (no sentido literal de pagar as contas) dentro dele.
Vale lembrar que os poemas foram escritos em 1955 e 1956, respectivamente - os dois primeiros anos da Guerra do Vietnã.
Depois de ver Washington crossing the Delaware, de Larry Rivers, no Museu de Arte Moderna
Agora que o nosso herói voltou pra gente
em suas calças brancas e conhecemos seu nariz
sacudindo como uma bandeira num tiroteio,
vemos que o rio calmo e gelado apoia
nossas forças, a bela história.
Ser mais revolucionário do que uma freira
é o nosso desejo, ser secular e íntimo
como quando, ao ver uma casaca vermelha, você sorri
e puxa o gatilho. Ansiedades
e hostilidades, acendem e alimentam
o robô, com ponderações teóricas e
a espiritualidade ciumenta
da abstração? elas são fumaça, ondas acima
do acontecimento físico. Elas desaparecem.
Veja como somos livres! como uma nação de pessoas.
Querido pai do nosso país, você
tão vivo deve ter mentido incessantemente pra poder ser
imediato, aqui estão seus ossos cruzados
sobre meu peito como um trabuco enferrujado,
bandeira de pirata, bravamente específica
e sempre tão clara, no brilho enevoado
de uma travessia pela água, no inverno, para uma margem
que não é a mesma alcançada pela ponte.
Não atire até que, o branco da liberdade brilhando
no cano da espingarda, você veja o medo em todos.
[01h55 em Cambridge,
frio pálido de primavera,]
01h55 em Cambridge, frio pálido de primavera,
sim. Noites na casa de Jim com Jimmy
ouvir Lenya cantando o dia inteiro. Sim,
eu aceito outra cerveja e Bert Brecht é
um grande poeta, e Kurt Weill, ele é um gênio também.
Acima de tudo, é um presente de Wystan, Alemanha,
quando, anos atrás, Tropas de Infiltração chegaram perto
como se batessem na nossa porta, antes da gente se conhecer, tão
assustadores quanto a hora do recreio, quando os bullies
estavam do outro lado. E quando eles estavam do
nosso lado era pior. Então gradualmente o temer
deu lugar ao saber, outro presente de Wystan,
embora também seja ruim desse jeito, pois não há garantias
em nenhum dos lados. E agora é quase a última hora
da sua visita, Jimmy, acabam as caminhadas pelo Charles
"o rio aluvial", flanando por uma cidade
que é linda porque é tão plana. Sem mais
grandes decisões sobre títulos e lugares, sem mais
drinks em demasia. Será que aqueles poemas vão chegar
a ser escritos? os royalties de VISITING
ANGKOR VAT AND VIENNA vão realmente nos sustentar, num
futuro que ainda ontem parecia brilhante,
literalmente? Adeus. Pelo menos nós escrevemos a nossa ODE.
E em outros lugares, à medida que a neve vira lama, vamos sentar
durante dias e dias e falar e ouvir música
e esquentar o café. E em silêncio, vamos pro bar.