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María Elena Morán (Maracaibo, 1985) estudou jornalismo na Venezuela, cinema em Cuba e buscou literatura em Porto Alegre, onde buscou a pós-graduação em Escrita Criativa. Desde então, esteve não apenas em um trânsito constante entre países e lugares, mas também em um vaivém inevitável entre línguas: tanto em Los continentes del adentro (2021), seu primeiro romance, como em Volver a cuándo (2023), vencedor do prêmio literário Café Gijón e publicado pela editora Siruela, de Madrid, Morán passa do castelhano ao português, para logo voltar à língua materna, num deslocamento que não cessa e que se mostra no léxico da sua ficção.

Em seu último livro, a viagem de um idioma a outro aparece como caminho paralelo a outra sorte de mudança: a passagem que a protagonista de Volver a cuándo faz da Venezuela que é obrigada a abandonar para o Brasil — destino primeiro de um texto construído por outras escalas, baldeações, locais provisórios, tentativas de encontrar uma casa possível num futuro que, entre a intempérie e o desterro, será obrigada a inventar. A crise política, a emergência de uma multidão de migrantes venezuelanos que se espalham pela América Latina e outras partes do mundo, os vínculos nunca quebrados por inteiro com a terra natal e as tentativas, por vezes quixotescas, de restabelecer elos com os lugares perdidos são alguns dos temas de fundo de Volver a cuándo, romance que não interroga apenas as feridas de um país ou os movimentos que, no tempo e na geografia do presente, são de um dentro para fora, mas que se ocupa antes das possibilidades da literatura e da construção de uma voz singular. “A sensação que me dá é que tenho estado percorrendo um caminho para dentro, para alcançar uma voz cada vez mais viva e furiosa, nas melhores conotações da palavra. Cada vez mais perto de certo núcleo que me escapa, mas cuja procura é o que me move. A cada projeto, me toma por momentos uma sensação de que não sei nada, que as palavras que antes juntei e que resultaram em literatura ou cinema foram organizadas por outra pessoa. Depois, eu me lembro que são minhas e que aí estão as páginas, tendo sua vida em cantos que eu nem suspeito”, escreve Morán em entrevista ao Pernambuco.


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Iuri Müller: Los continentes del adentro recebeu, mais que uma tradução, uma versão em espanhol e outra em português (Editora Zouk, 2021), num trânsito singular entre as línguas. Volver a cuándo, por sua vez, localiza parte importante da trama no Brasil e se utiliza de um amplo léxico em língua portuguesa. Este “viver entre línguas” é uma condição central para a tua escritura?

María Elena Morán: Tenho pensado muito a respeito disso. A minha chegada no Brasil e na língua portuguesa coincidiu com a minha decisão de me aventurar na escrita literária, então, de certa forma, me “alfabetizei” em ambos ao mesmo tempo e isso se transformou em uma grande marca para mim e para minha escrita. Eu continuo trabalhando e vivendo em ambas as línguas e acredito que isso, longe de ser uma complicação, tem me dado belíssimas oportunidades estéticas e narrativas. No espanhol, eu não tenho dúvidas para além de alguma ou outra dessas que todos temos sobre a nossa língua materna; fora isso, eu sou dona da língua, não preciso pedir autorização a ninguém para usá-la, enfeitá-la, torcê-la. Mas também tenho introjetadas as leis que a suportam, tenho um vocabulário e uma oralidade que me foram dados pelo contexto cultural, familiar, educativo. Isso gera certa inércia sobre a qual estou sempre em alerta quando escrevo, querendo transformá-la, gerar estranheza onde há naturalidade.

Com o português, uma língua que eu tratei de aprender já adulta e de forma autodidata, tenho uma relação na qual eu me permito certa autonomia. Sinto que existo nele com uma liberdade que vem do conhecimento falho, que foi chegando aos poucos. Vejo-me em uma mistura de humildade frente à língua, que ainda me surpreende — continuo descobrindo regras, distorções —, e certa desobediência, às vezes voluntária, às vezes acidental. Também há uma descoberta divertida e prazerosa: diferentemente da inércia dos processos de aquisição de uma língua materna, numa segunda língua existe um enorme poder de escolha: o meu idioleto brasileiro e, portanto, minha escrita, são construções em que houve muito de soberania, em que eu tenho escolhido as palavras que quero no meu vocabulário, os erros que quero abraçar e os que prefiro deixar de fora, o sotaque que quero habitar.

I.M.: Em Volver a cuándo, vemos a reiterada menção a nomes próprios da política e da vida pública venezuelana, a evocação de instituições, acontecimentos com data e lugar, elementos bastante afincados à realidade nacional e às situações do presente. Este novo romance é um texto de ficção que se instala deliberadamente numa urgência do real?

M.E.M.: Sim, e “urgência” é uma palavra que vai surgir com frequência para falar sobre a produção literária que lida com as diásporas. A escritora mexicana Cristina Rivera Garza, em seu livro Dolerse: Textos desde un país herido (2011), diz que quando a gravidade dos fatos supera o nosso entendimento e até a nossa imaginação, nos resta, ferida, porém disposta, a linguagem da dor. Ela fala sobre a importância política de dizer tú me dueles, yo me duelo, nos dolemos juntos, podemos percorrer a nossa história juntos, nos acompanhar. Em 2018, eu fui absolutamente tomada por essa urgência. Eu precisava dizer a minha dor, que não era apenas minha, mas de milhões, e eu tinha a linguagem da ficção para fazê-lo. Mas eu não queria sublimar, não queria ir pelas beiradas, não queria fazer concessões: dessa vez, o caos estava perto demais e eu sentia que tinha tido uma responsabilidade direta na sua construção. A realidade — a que me chegava em primeira mão, não a da mídia, embora cada vez fossem mais parecidas — era amedrontadora, mas talvez tenha sido justamente isso que me levou a querer encará-la de uma forma tão direta.

I.M.:Volver a cuándo pode ser situado como um romance que faz parte de uma série de textos que versam sobre os exílios do nosso tempo. Como enxergas essa categoria de textos no que diz respeito à ficção venezuelana contemporânea? Que outros romances — ou demais registros da ficção — citarias como parte de um movimento semelhante?

M. E. M.: De fato, muitos autores e autoras venezuelanas contemporâneas têm escrito desde e sobre a condição do exílio. É um movimento natural, me parece; escrevemos histórias para tentar organizar sentido e não sucumbir ao sentimento do absurdo. Com uma experiência tão avassaladora como é o fato de que um país de trinta milhões de habitantes tenha perdido sete [milhões] deles nos últimos cinco anos, era de se esperar que cada um, com suas ferramentas, tentasse elaborar a tragédia, questioná-la, contá-la, quem sabe para lhe dar a dimensão humana que se esvai entre os impossíveis números da crise e a litania de notícias ruins. Acredito que quem escreve ficção, o faz na tentativa de entender mais do mundo e de si, ainda quando esse não seja um propósito declarado ou sequer consciente.

Ao mesmo tempo em que o exílio é um dos grandes temas da literatura, cada experiência o particulariza, o complexifica, o enriquece e veicula, com ele como contexto, diversos outros temas. Nos círculos críticos e acadêmicos, já se fala de uma “literatura da diáspora venezuelana”, categoria que inclui títulos muito variados e que, no entanto, me parece que compartilham duas marcas: a urgência de intervir de alguma forma nesse agora impossível e o desconcerto frente a essa tragédia em gerúndio. Volver a cuándo vem sendo colocado nessa categoria, a que pertencem autores de destaque como Karina Sainz Borgo com Noite em Caracas [lançado no Brasil pela Intrínseca], Rodrigo Blanco Calderón com Simpatía, entre outros. Com abordagens muito diferentes, pensando em questões éticas e estéticas, os três temos como fio comum essa debandada que aconteceu e segue acontecendo no nosso país.

I.M.: Em abril, o poeta e ensaísta venezuelano Rafael Cadenas recebeu o Prêmio Cervantes de literatura, provavelmente o prêmio mais importante em língua espanhola. Como definirias a obra de Cadenas dentro do panorama da literatura venezuelana? Como percebes que essa distinção foi recebida na Venezuela?

M.E.M.: A obra de Cadenas é a obra de um homem que se sabe ínfimo no mundo e nunca se esqueceu disso, nem com o Cervantes (e tantos outros prêmios) nas mãos. Me levantaré del suelo más ridículo todavía para seguir burlándome de los otros y de mí hasta el día del juicio final: me parece que ele mesmo definiu sua obra com esses versos, e vejo grandeza nessa fuga dos holofotes, nessa recusa ao heroísmo e ao Parnaso. Na Venezuela, Cadenas é, desde os anos 1960, um grande mestre da linguagem que se recusa a ser chamado de tal. A poesia dele é feita de uma matéria que se torna transcendental justamente por se saber insignificante e, ao mesmo tempo, todo poderosa enquanto ferramenta para nomear o mundo com franqueza, no limite das possibilidades. No cenário cultural venezuelano (que hoje acontece dentro e fora do país), o Cervantes foi uma festa imensa, hermosa. O orgulho dos literatos que acompanham a obra de Cadenas invadiu a mídia, mas também o daqueles que, sem conhecerem a obra dele, de repente viram o nome da Venezuela nos maiores jornais do mundo e, dessa vez, era por uma notícia incrivelmente boa. Dos representantes do poder, o poeta não ganhou nem parabéns nem um memorando formal. Isso, claro, é sintomático: frente a esse silêncio, fiquei dias pensando sobre Roberto Bolaño e seus comentários sobre os poetas do Estado, pobres poetas subordinados. Cadenas não caberia nessa prateleira.

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NARRAR O PRESENTE, QUESTIONAR A PÁTRIA
Em Volver a cuándo, a ideia de um trânsito incessante (e improvisado e arbitrário) entre dois países e dois lugares faz-se em um processo que vai cobrando densidade; no romance, o Brasil surge como o destino de um exílio deliberado por parte de Nina, que na altura dos trinta anos resolve deixar Maracaibo para buscar uma vida possível do outro lado da fronteira, no território brasileiro que oferecia promessas pouco transparentes, porém ainda assim mais palpáveis do que qualquer promessa que, nos anos mais duros da longa crise venezuelana, poderia existir em seu país natal. O desterro pessoal se daria primeiro na fronteira imediata, quando o lugar estrangeiro mostra o que pode conter de inferno e de risco — barracas incendiadas, capangas brasileiros que espalham violência e ameaças num acampamento de refugiados — e mais tarde em Porto Alegre, cidade escolhida com imprecisão e talvez instinto, eleita como o lugar onde ser venezuelana não seria, ainda, um drama coletivo, mas a possibilidade de se refazer sozinha para, com sorte e quem sabe sem demora, poder voltar aos seus.

Porque Nina, a voz central e mais bem construída de Volver a cuándo, não deixa atrás apenas a Maracaibo natal, as vivências de um bairro de classe média que, em um punhado de anos, tornou-se de classe média baixa e em seguida passou por uma urbanização decididamente pobre, como quase todas as regiões da cidade; mais do que nada, Nina viaja sem a mãe, Graciela, e a filha, Elisa, que, impactadas pela decisão da protagonista, permanecem na Venezuela à espera de decisões e instruções daquela que viajou – e com o anseio de levar adiante o buscado reencontro tão logo houvesse dinheiro, mínimas garantias, um par de passagens aéreas que permitisse o recomeço em outro lugar; expectativa que os ventos contrários, que sempre recomeçam no andar do romance, tornarão adiada, modificada, recalculada.

Por um lado, há o país que se deixa e que permanece assolado por um acúmulo de abandonos: na antes festiva e ruidosa Maracaibo, os anos de desolação só entregam as confirmações das inúmeras partidas, das casas que se fecham e que se vendem a qualquer preço, o retrato das instituições de ensino que vão perdendo seus alunos, suas ofertas de estudo, seus compromissos, e o vazio que se espalha pelos bairros e só parece aprofundar-se. Estão presentes as imagens reiteradas das prateleiras vazias, das horas de uma cidade às escuras por conta dos cortes de energia elétrica, de um sentimento que pode ser de rechaço, de indignação ou de espanto – consequências possíveis, todas elas, para o que parece um epílogo, nunca terminado, sempre alongado, dos anos revolucionários que prometeram algo tão distinto e ao final se parecem com um fim de festa, menos melancólico do que assombroso ou macabro.

E, por outra parte, está o horizonte do país estrangeiro, que no romance de Morán se estabelece como que enquadrando principalmente o Brasil, com o léxico em língua portuguesa se infiltrando pouco a pouco no texto, com expressões e palavras não traduzidas que passam a formar parte do vocabulário e da rotina de Nina, de passagem por Porto Alegre, às voltas com trabalhos que serão precários (o atendimento no hostel de um mau pagador dono argentino) ou breves (a limpeza nas casas que o improvisado e quase clandestino vínculo com a universidade local proporciona), empregos que serão atravessados por outra emergência, ainda mais urgente e radical do que o dinheiro. Em Volver a cuándo, os acontecimentos se precipitam quando o retorno de Camilo, o ex-marido de Nina e pai de Elisa, com o suposto entusiasmo de retomar o contato e a convivência com a filha, torna caótica uma teia de relações que, mesmo quando entristecidas e quase quebradas, ainda se organizava dentro de uma compreensão e cumplicidade femininas.

Em Volver a cuándo, a política — nacional e latino-americana — não é um elemento que se localiza no fundo do romance ou que, de maneira acessória e apenas sugerida, contorna fragmentos do texto; e não o é porque a política, nesses anos de um longo presente de crises com que se debate a Venezuela, já ocupa outro inevitável lugar na vida dos seus personagens: a política, na última década venezuelana, é o motor maior das despedidas, das chegadas e partidas, dos desenlaces e dos que escolhem esperar e ainda acreditar, dos que se veem em outro lugar ou dos que ficam junto ao bairro de toda uma vida, mas que passam a não reconhecer os mesmíssimos arredores. No romance de María Elena Morán, esse motor, entre monstruoso e hermético, é investigado com as ferramentas da ficção, em busca de uma brecha que permita o entendimento ou o acesso, o questionamento e o testemunho, para então se perguntar quién decidía qué era histórico y qué no, quién decidía dónde terminaba la historia de un país y empezaba la de una familia.

A geografia familiar se torna irreconhecível no corpo do romance, mas não apenas ali. Também havia, desde antes, transbordado à vida e à biografia, como escreve María Elena Morán: “existem várias camadas de trabalho biográfico e autobiográfico na novela, mas talvez o tratamento do espaço seja o principal. Eu não fiz mais do que revisitar, física e narrativamente, os lugares que me foram ou me são próprios e cuja situação atual, ou pelo menos na situação em que se encontravam em 2018, 2019, me deixou perplexa, arrasada. Os lugares que retrato são essa espécie de pátria em pedacinhos, espaços que são capítulos importantíssimos de minha história, e cuja devastação ou abandono tem um peso muito grande em mim. É impressionante como a gente morre um pouco com cada lugar que perdemos. Minha cidade, com suas avenidas desoladas e às escuras. Minha faculdade, desolada, tomada pelo mato. Minha casa familiar, vazia e vendida por um valor irrisório. Meus barrios, uma vez coloridos, e hoje pálidos, enferrujados, descascados. Foi isso que vivi quando voltei em 2019: uma grande ruína onde parecia que não ia restar nada nem ninguém. Hoje há outra sensação, mas os meus lugares agora estão, quase todos, vagos. Seus antigos habitantes estão espalhados pelo mundo”.

Nesta pátria atravessada pela emergência política (e logo econômica, social, cultural, em ramificações cada vez mais prolongadas e onipresentes no cotidiano e na intimidade), não há mais separação possível entre o familiar e o histórico; como desprender um elemento do outro quando, para se reencontrar com Nina e Elisa a algumas centenas de quilômetros do bairro, Graciela precisa vender a casa de toda uma vida (a casa hoje mais ocupada pelos fantasmas do passado familiar do que por aquisições recentes) para um atravessador que exige um punhado de dólares? Ou, ainda, como não relacionar intimamente a angústia política da família quando o próprio casamento de Nina com Camilo nasceu em meio aos fervores do processo revolucionário, encontrou suas crises durante o chavismo e ainda desmorona à luz do dia quando a ideia de democracia também parece se afastar cada vez mais do horizonte das possibilidades? Pois é nesta encruzilhada, em que as ideias firmes, na política e na família, se mostram comprometidas, que também buscam se infiltrar as tentativas da ficção, e com sucesso e com acerto, no caso de Morán.

Mais do que um desterro que cobra novos degraus de isolamento e distância, em Volver a cuándo haverá andança e modificações de ritmo: a permanência de Nina no Brasil se torna inviável, as novas geografias, ainda mais incertas, apontam para o norte do continente e para a urgência de resgatar Elisa da mais aguda das dissonâncias familiares. Entre Maracaibo e Porto Alegre, Caracas e as margens do Rio Bravo, o romance mesclará as vozes que se intercalam: a exilada voz de Nina — núcleo deste labirinto familiar —, a amortecida e quase resignada voz de Graciela, a voz adolescente Elisa, as vozes de além-tumba e mesmo a angustiada voz de Camilo, personagem que parece encarnar, talvez com concentração excessiva, todas as contradições do processo político do presente e do passado recente. Acima ou entre o coro de vozes, María Elena Morán constrói habilmente a figura de um narrador que organiza e determina as sequências desses tons e dessas narrações.

Perguntada sobre a construção das diferentes vozes que povoam a narrativa e oferecem distintos pontos de vista, Morán opina que o procedimento buscava exercitar a contradição e a chance de investigar a trama a partir de outros lugares: “A opção pela polifonia esteve presente desde o momento zero da escrita do romance, aquele momento em que tudo é desejo, e foi o princípio organizador da narrativa. Esse entramado de personagens e narradores, com suas versões da história, é a tradução estética que encontrei para uma inquietude ética que me obceca, dentro e fora dos limites desse romance: a força do dilema moral como motor narrativo. Queria apresentar um mosaico de pontos de vistas que, incompletos e míopes por natureza, não oferecessem diagnósticos morais conclusivos, mas que entregassem ao leitor uma série de informações cheias de lacunas com as quais ele tivesse que dar seu veredicto. A tentativa foi fazer uma espécie de carrera de revezamento entre as personagens, na qual o leitor tivesse acesso à versão que certa personagem dá sobre os acontecimentos e talvez começasse a torcer por ela ou contra ela, e, de repente, ao ter acesso a outras versões, esse primeiro engajamento pudesse então ser questionado, perdido ou fortalecido”.

“Numa situação de conflito como a que trabalhei em Volver a cuándo, que bebe tanto da realidade contemporânea venezuelana com seu roteiro fechado e medíocre que não se permite a dúvida, o dissenso, a autocrítica, onde a unanimidade não é uma opção, mas um dever, era imprescindível para mim que o romance fosse o avesso disso. Queria uma multiplicidade de olhares, a possibilidade de questionamentos vindos de e para todos os lados, vozes imperfeitas, falíveis, desencantadas, mas de alguma forma esperançosas, que se interrogassem a si mesmas enquanto transitavam por uma trama em que não se sabe onde termina um país e começa uma família”, encerra Morán a respeito das opções que orientaram a estrutura do romance e a alternância que se instala na voz das protagonistas.

Escrito entre Porto Alegre, São Paulo e outras estações latino-americanas, publicado em Madrid e premiado em Gijón, Volver a cuándo também se fez por meio da viagem e do deslocamento; e, tal como Nina e os demais protagonistas do romance de Morán, a feitura do texto também teria um objeto que “seria sempre a Venezuela, estropiada ou vistosa ou como estivesse”, como lemos nas últimas páginas do volume. Esta é uma escritura instalada no redemoinho do tempo presente, sensivelmente tocada pelos acontecimentos da Venezuela depois de Chávez e que espreita futuros possíveis através da literatura e da ficção.