Com aproximadamente 180 mil curtidores, a página Caneta Desmanipuladora, no Facebook, funciona como um ombudsman: toma as notícias da grande imprensa e faz sobre elas uma releitura. O processo ocorre de forma carismática pelo uso frequente de memes (imagem, vídeo ou frase bem-humorada que se espalha na internet como m vírus), além de haver um diálogo frequente com seu público. Esses fatores a tornaram uma das páginas mais visadas na rede social: poucas são as análises com menos de 2 mil curtidas - marca que a mídia tradicional consegue com dificuldade, principalmente se o meio de comunicação não for de alcance nacional.
Em suma, realizam um trabalho relevante de análise de narrativas hegemônicas. Por isso, o Pernambuco conversou com os administradores da Caneta Desmanipuladora sobre os princípios que norteiam a página, suas formas de agir e sua história. A íntegra do diálogo segue abaixo:
Vocês têm um trabalho bem difundido nas redes de releitura de notícias da grande imprensa a partir de um viés politicamente inclusivo de respeito às minorias. Buscam um olhar que vai além do senso comum explorado pelos meios de comunicação (sobretudo na economia e na política). Como surgiu a ideia para a página Caneta Desmanipuladora?
Começou com uma intervenção artística em uma capa do O Globo que um familiar assinava. Sem mais paciência para travar brigas, foi uma tentativa de diálogo pegando a capa daquele domingo e desmanipulando direto na fonte e deixando para que a pessoa lesse ao acordar. Com uma foto dessa capa postada nas redes sociais no perfil pessoal, a repercussão foi instantânea. Milhares de compartilhamentos durante o dia. Quando a noite chegou, já estava claro que havia uma demanda grande para este tipo de análise, estética e crítica à maneira com que a grande mídia retrata de forma quase uniforme a construção da narrativa de massa. O nome veio da legenda dessa primeira publicação que dizia “Resolvi usar a caneta desmanipuladora”. Nos comentários a hashtag surgiu de maneira recorrente e a página seguiu esse fluxo.
Quem administra a página Caneta Desmanipuladora? Há entre vocês pessoas com formação em comunicação?
A página é administrada por duas pessoas. Uma atriz e performer (Ana Karenina) juntamente com um jornalista (Rafael Caliari), ambos midiativistas. O Rafael já trabalhou na grande mídia, com telejornalismo.
As perguntas acima (e as que virão depois) partem de uma série de pressupostos nossos a partir de declarações de vocês em posts no Facebook e da forma como atuam nas redes. Mas seria interessante ouvir de vocês quais os pressupostos ideológicos que norteiam as análises da Caneta Desmanipuladora.
Há entre nós uma ampla discordância política e, desde o primeiro dia, antes da primeira postagem, decidimos que todo conteúdo e suas ações seriam criados em consenso. Desta maneira nós nos policiaríamos para não acabar pendendo a uma visão única, algo que tanto combatemos. É óbvio que há um prisma progressista na construção das nossas narrativas.
Vocês recebem sugestões de posts de todo o Brasil. Como funciona a “desmanipulação” que vocês realizam nas notícias? Geralmente vocês acatam as sugestões corretivas de quem sugeriu a postagem ou existe algum trabalho de apuração? Se existir esse trabalho de apuração, qual a profundidade dele?
Há um trabalho grande de apuração. Temos um grupo de Facebook para discussões sobre mídia e análise de narrativa. Nele as pessoas sugerem pautas e nós ajudamos as pessoas a analisarem. Em geral, elas sabem que tem algo estranho, mas nem sempre percebem qual a palavra-chave ou o eufemismo que mudaria totalmente o significado, assim como a análise de semiótica dos signos que compõe o texto. Muitas destas pautas são apresentadas e a desmanipulação é feita de maneira coletiva, ampliando a pluralidade. Antes de comprar a pauta, corremos atrás do texto original e de fontes alternativas que relataram aquele fato. Utilizamos as vezes fontes de órgãos oficiais. Curiosamente, na maior parte das vezes, a própria matéria desmanipulada apresenta em seu corpo os dados que desmentiriam sua manchete.
Vocês têm um diálogo frequente com as pessoas que comentam na página. E sempre deixam claro que é preciso estar, de fato, aberto à troca de ideias, sem imposições rígidas. A partir dessa dinâmica de atuação, pergunto: é uma preocupação trazer novas pessoas para o diálogo? Em caso positivo, como dialogar com uma pessoa que defende de forma rígida a narrativa da mídia hegemônica?
Nós temos como política sempre dialogar, inclusive, e principalmente, com o discordante. Banimos apenas aqueles que apresentam comentários de ódio, ou que fogem das regras do próprio Facebook. Não nos preocupamos em trazer pessoas, elas vêm naturalmente. Mas a resposta para “como dialogar” é simples e vale para todos os casos: memes.
A imprensa tradicional busca estratégias de interação com o público nas redes. Uso de gírias, emojis e pautas específicas para web, com o objetivo de conseguir likes e compartilhamentos. Gostaria que vocês comentassem sobre como o uso dessas estratégias pode camuflar o teor manipulador da grande mídia.
Não achamos que a utilização de linguagens informais e pops ajudem de nenhuma forma a camuflar manipulações. A linguagem é meio, a manipulação é fim.
Recentemente surgiu uma página no Facebook chamada “Caneta Desesquerdizadora”, na qual se vê uma série de clichês ideológicos usados para justificar uma cultura excludente e de ódio. Com menos de um mês de existência, atingiu uma quantidade de curtidas próxima a de vocês, que estão na rede desde maio. Como enxergam essa ampla adesão a essa página? Entendem que a Caneta Desesquerdizadora é uma resposta à repercussão de vocês?
Certamente é. Estudaram bem o nosso case, e copiaram de maneira efetiva. A forma de interação, a construção do discurso, a estética, a identidade visual, a mesma estratégia de interação, porém eles desvirtuaram a utilização da ferramenta. Eles usam a página como forma de divulgação direta de instituições políticas. Articularam com veículos de grande mídia, já que no segundo dia da página deles havia uma matéria da Veja com divulgação. Isso explica o crescimento explosivo juntamente com pegar a onda do nosso trendsetter e surfar nela. A ampla adesão deles se dá pelo discurso simples e senso comum, sem nenhum aprofundamento na análise da narrativa e da semiótica. Não há uma preocupação com o debate sobre a comunicação, diferente do que anunciam como objetivo. É apenas o que será facilmente viralizado para inflar a propaganda das instituições que eles divulgam logo após.
Vocês lucram financeiramente de alguma forma com a página? Se sim, como?
Não, pelo contrário, estamos gastando bastante dinheiro com pacotes pré-pagos de internet móvel para manter a atualização constante. #Manda3G
Como as pessoas que desejam sugerir postagens a vocês podem entrar em contato? Devem sugerir apenas a postagem ou já mandar junto uma interpretação do erro contido na notícia?
Como preferirem. Há casos que mandam a matéria e pedem para que nós analisemos. Há casos que enviam pronto e redondo para postagem e há também os casos de sugestão que não se sustentam, esses nós explicamos geralmente onde está o problema. Pode ser de apuração, pode ser análise, pode ser pauta repetida ou qualquer outro fator.