Capa da nossa edição de julho, o poeta Miró da Muribeca completa 56 anos neste sábado. Aproveita a data para lançar mais um livro: O penúltimo olhar sobre as coisas (Mariposa Cartonera). A obra nasceu no período que se sucedeu a uma internação por problemas de saúde e dá continuidade a uma linha reflexiva que o poeta trouxe de forma contundente em seu livro anterior, aDeus (2015; Mariposa Cartonera).
O lançamento ocorre na III Feira do Livro do Vale do São Francisco, em Petrolina. Enquanto a obra não chega às mãos dos leitores, o Suplemento Pernambuco fez uma seleção dos 10 melhores poemas de Miró (não necessariamente na ordem proposta).
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Filosofia para pular n° 1
Por trás de 1 ônibus
lotado, e uma cadeira vazia
há sempre 1 grande
vômito
(in: Flagrante Deleito, 1998)
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umas folhas verdes
nasceram entre dois prédios
Deus insiste
pra eu acreditar nele
(in: aDeus, 2015)
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H2LOVE
Não tinha mais como esconder
Era o cara da água passar
E ela ficar toda molhada.
(in: Poemas para sentir tesão ou não, 2002)
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Manifesto contra a cultura lata di sardinha
Quantos sacos di cimento
Há em ti São Paulo?
Quiçá meu coração não fique concreto
Alguma coisa acontece?
A elite vai em massa a eletra
Substantivo concreto
Quem lê os campos?
Substantivo abstrato
Náufragos dessa onda
Atenção para o toque di 8 segundos
(in: São Paulo é Fogo, 1987)
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Conheci Carla catando lata
Seus olhos brilhavam
Como alumínio ao sol
São Paulo ardia
Num calor de quase quarenta graus
Pisou na lata
Como pisam os policias
Nos internos da Febem
Jogou no saco
Com a precisão que os
Internos jogam
Monitores dos telhados
E rápido foi embora,
Tal qual sequestro relâmpago
Deixando a lembrança
De um tempo que
Não havia sequestros,
Febem,
Nem tanta polícia,
Muito menos catadores de lata,
Os olhos de Carla
Nem desse poema precisavam.
(in: Poemas para sentir tesão ou não, 2002)
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Notícia de última hora
Quem pensava achar num caminho
uma bala perdida
no exato momento que nada procurava?
(in: diZcrição, 2012)
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solidão é no caixa eletrônico
esquecer a senha
solidão é planta
sentir falta d’água
ver Muribeca indo embora
solidão é você partindo
sem ninguém na rodoviária
as lágrimas caindo
e você com esperança
de que a chuva molhe o chão
(in: aDeus, 2015)
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Primeiro de abril
Pais ensinam aos filhos
que velhos maltrapilhos
São papa-figos
Que masturbação faz mal à saúde
E que não é muito bom
Ficar no sereno
Filhos ensinam aos pais
Que aproveitem a vida
Pois o mundo vai se acabar no
Ano 2000
É mentira
que
só
a
porra
(in: Quebra à direita, segue à esquerda e vai em frente, 1999)
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O sal do sol
Certos estranhos
pedaços de ruas
habitaram meu olhar
a solidão sentada
no colo das vovós
novelo de linha
traçando o tempo
veloz das esquinas
um dia eu fui menino
“e muito louco”
levei trinta e três palmadas
por soletrar sol
em vez de sal
(in: Quem descobriu o azul anil, 1985)
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as pessoas estão passando
para mais uma segunda-feira
eu sentado no banco da praça
ainda sou domingo
(in: aDeus, 2015)