Todas as listas de fim de ano são ingratas. Não seriam listas de fim de ano se não fossem ingratas. Ainda assim, decidimos ousar pedir a lista a seguir aos nossos editores, colunistas e colaboradores: que cinco livros lidos em 2015 mais te chamaram a atenção? A resposta não poderia ter sido mais diversa em gêneros e estilos. E sim, pode ser ingrato ter que escolher apenas cinco títulos, mas não deixa de ser importante reconhecer a obra dos autores e autoras a seguir:
Carol Almeida
Brasil - Uma biografia, de Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling (Companhia das Letras)
Personagem de muitas identidades, mas de uma só. O Brasil que se projeta no colonizador, antes Lisboa, hoje Miami, e que insiste em negar a sua "enraizada e longa experiência social da escravidão". O Brasil que só é ele mesmo porque quer ser outro. Duas autoras de sobrenomes gringos conseguiram aqui fazer um livro não sobre a história do Brasil, mas, como elas fazem questão de frisar na introdução, fazer do Brasil uma história. Um livro para sempre urgente desde já.
O livro das semelhanças, de Ana Martins Marques (Companhia das Letras)
Ana Martins Marques encosta o dedo na palavra, justo aquela que estava ali na ponta da mesa. A palavra cai e a poeta recolhe os pedaços para (des)juntar tudo num livro de versos que falam quase sempre sobre a impossibilidade de materialização das coisas contidas em palavras (ou seriam as palavras que estariam contidas-coitadas-nas-coisas?). E é diante dessa impossibilidade do tato e do toque que Ana Martins Marques escreve na dialética de teses e antíteses, na negação da negação, na recusa da palavra apenas para poder escrevê-la e, quem sabe, empurrá-la mesa abaixo. Eis o melhor da poesia hoje.
Jeito de matar lagartas, de Antonio Carlos Viana (Companhia das Letras)
A prosa absolutamente limpa dos contos de Antonio Carlos Viana te pega pelo braço por um caminho onde conhecemos todos os personagens, ainda que eles nunca tenham nos sido apresentados desse jeito, o jeito simples (e tão requintado) de matar lagartas.
A amiga genial, de Elena Ferrante (Biblioteca Azul)
O que há de épico no cotidiano, na violência que vive dentro de casa, numa amizade ancorada na gangorra de quem está por cima e quem está por baixo? Tudo isso se responde no primeiro capítulo dessa saga de Elena Ferrante, no microcosmo de um bairro de Nápoles, onde a força da figura feminina, bem como a violência (com frequência contra essa mesma figura feminina) são elementos tão difusos quanto a ideia de território pessoal.
Stoner, de John Williams (Rádio Londres)
O autor americano que foi redescoberto muitos anos após sua morte chegou ao Brasil com um título modernista, sobre um homem a quem acompanhamos desde seu nascimento até sua morte. A vida passa por esse homem com a resignação das estações do ano, que mudam apenas para voltar depois a serem as mesmas.
Elvira Vigna
Os abraços perdidos, de João Chiodini (e-galáxia)
O texto em linguagem muito simples tem seu impacto aumentado justamente por ter a linguagem simples. Não dá para enfeitar um texto que fala da convivência com um pai alcoólatra em cidade pequena do interior. Nesta fúria, ameaçava arrancar com os caninos fio por fio daquele bigode indecente, a despeito da rígida formação cristã, na qual o perdão costuma ser a forma mais delicada de vingança, e possivelmente a mais cruel. "Aquela foi a primeira vez em que eu não senti medo, mas sim raiva do meu pai. A primeira de muitas vezes."
A casa das marionetes, de Santana Filho (Editora Reformatório)
Santana recupera histórias familiares com a dubiedade de quem comanda quem: se é o narrador no presente que apresenta suas marionetes ou, ao contrário, se é o passado que tem um script a ser seguido. "Nesta fúria, ameaçava arrancar com os caninos fio por fio daquele bigode indecente, a despeito da rígida formação cristã, na qual o perdão costuma ser a forma mais delicada de vingança, e possivelmente a mais cruel."
Boa noite a todos, de Edney Silvestre (Record)
Um retrato de um mundo que conheci, na década de 1960, os descolados do Rio de Janeiro, tratados aqui de forma aguda mas afetiva. "Desenrola a toalha que tem na cabeça, agita os cabelos, afofa-os, vai até o espelho. Fica surpresa com o que vê. Desvia o rosto. Não quer olhar. Mas não consegue evitar. Como quando se passa por um acidente numa estrada."
Nossa Senhora d'Aqui, de Luci Collin (Editora Arte & Letra)
Gosto da linguagem da autora nesse e em outros livros. "Chega aqui o seu livro. O romance que me enviaste. Pequenos prazeres. Vi sua foto na orelha do livro. Li sua biografia. Comi bombons. Folheei o livro. Tomei uma dose. Folheei o livro. Prestei atenção por uns quinze minutos no noticiário. Folheei o livro. Não vou ler."
Legião anônima, de João Paulo Parisio (Cepe)
"A atmosfera refrigerada, musical e fragrante recria a prosperidade dos países temperados. Aconchegado no estofo macio, bem vestido, limpo e nutrido, comendo confetes, não só porque são gostosos, mas também porque são redondos, crocantes e coloridos, o menino no banco de trás olha para fora." A exemplo da perfeita descrição acima, o autor não esquece o humor na sua crítica.
Fernando Monteiro
Poemas, de Pier Paolo Pasolini (Cosac Naify)
Pela importância do poeta trucidado, na periferia romana, em 2 de novembro de 1975, mas ainda uma força viva (e, jovem, imortalmente jovem de denúncia & esperança) para as consciências humanas que restem em contato com a poesia do moderno "profeta" italiano que anteviu o pior desta época de ETs-Etc do fim do Humanismo.
Lições de literatura, de Vladimir Nabokov (Três Estrelas)
Porque são lições reais, verdadeiras e valiosas via penetrações argutas no tecido da alta construção literária, propiciadas por um Mestre autêntico (e que não pretendia ensinar nada a ninguém, apesar de tudo; no máximo, VN julgava poder estimular leitores a fazer melhores leituras)...
O vento que arrasa, de Selva Almada (Cosac Naify)
Como amostra da literatura que a Argentina está fazendo, agora mesmo, no meio da sua "crise" (todos têm uma), com placar também de 1 para o Brasil e 7 para los hermanos.
Liberdade ou amor!, de Robert Desnos (Nephelibata)
A chegada da primeira grande narrativa onírica da primeira metade do século 20 no Brasil, ou, dito de outra forma, a vinda -- afinal! -- do maquis Desnos para a língua portuguesa em forma de livro (pela corajosa Nephelibata Edições, de Santa Catarina).
O livro que eu não li (nem ninguém leu) porque, por alta qualidade literária, terá sido provavelmente ignorado pelas chamadas "grandes" editoras brasileiras desde há algum tempo totalmente voltadas para resultados de venda nos caixas das megas-livrarias brilhosas como catarro em parede.
José Castello
O senhor vai mudar de corpo, de Raimundo Carrero (Record)
Carrero é um mestre na arte da transfiguração da vida em escrita. Arte que ele leva ao extremo nesse belo romance, que se lê com o coração na mão.
Escuta, de Eucanãa Ferraz (Companhia das Letras)
Com esse estupendo livro, Eucanãa Ferraz se afirma como uma das grandes vozes da poesia brasileira do século 21.
Morreste-me, de José Luiz Peixoto (Dublinense Editora)
Um livro em que verdade e ficção se misturam de modo explosivo, confirmando a potência da literatura como precioso instrumento de interpretação do mundo.
Micróbios, de Diego Vecchio (Cosac Naify)
Um dos livros mais originais já produzidos pela literatura argentina contemporânea.
Enigmas da primavera, de João Almino (Record)
Uma tentativa quase desesperada - e por isso mesmo muito bem sucedida - de sincronizar a literatura com a fragmentação e a perplexidade que caracterizam nossos dias.
Juliana Bratfisch
Trilha, de Leonardo Fróes (Azougue)
Talvez Fróes tenha sido por aqui uma espécie de mantra para atravessar esse 2015 tão caótico, ano em que aprendi a repetir e reverberar uma "Didática do amor como insuficiência nervosa". Essa antologia organizada pelo autor permite ler sua obra em zig-zag, percorrendo as variações de temas e formas de sua poética, e certamente é um excelente exercício de renovação do olhar diante da poesia e do mundo. Vale lembrar também que agora em dezembro a editora Chão da Feira está lançando uma nova edição de Sibilitz (1981) que é puro amor.
Manual de flutuação para amadores, de Marcos Siscar (7Letras)
O jardineiro "contrariando o dia claro e os cortes difíceis […] cuidadosamente arranca uma a uma | as plantas que nasceram em seu canteiro" e nos ensina o mais pungente de observar o mundo – e de criar o mundo em sua escrita: todo nome – e toda postura cristalizada pelo nome – é impróprio. Esta parece ser a grande força desse manual: lembrar que a poesia é flutuação, é risco. Marcos Siscar em sua humildade e generosidade intelectual parece ter nos presenteado com melhor livro de poesia de 2015, tencionando a cada gesto, mais uma vez, a própria poesia.
Uma menina está perdida no seu século à procura do pai, de Gonçalo M. Tavares (Companhia das Letras)
Ah, Gonçalo! Só você para nos mostrar de uma forma tão bela que não importa onde estamos, pois estamos todos nós estamos perdidos no tempo e não no espaço. Gonçalo M. Tavares é um daqueles escritores que têm cada vez mais ocupado minha estante de cabeceira e esse livro-percurso, para dizer de um modo muito simplório, diz muito do que calei neste ano. São poucas as pessoas que conhecem essa música completa: você, Gonçalo, é uma delas.
Cao, de Cao Guimarães (Cosac Naify)
Concebido pelo próprio artista, esse livro reúne imagens de seus trabalhos anteriores, de seu arquivo fotográfico e alguns textos de sua autoria, imprimindo nesse material diverso um ritmo e uma beleza que transpõem a sua poética da película ao papel. Além disso, num diálogo com o glossário escrito por Moacir dos Anjos, podemos percorrer não linearmente os quase trinta anos da produção desse que para mim é um dos maiores artistas da atualidade.
A semelhança informe ou o gaio saber visual segundo Georges Bataille, de Georges Didi-Huberman (Contraponto/MAR)
Faça uma combinação de acuidade intelectual, ousadia e delicadeza e talvez você só encontre o nome desse teórico. Nesse livro, Didi-Huberman mobiliza a produção de Bataille, partindo da leitura de suas montagens de textos e imagens na revista Documents, para ampliar as ramificações de seu gaio saber estético, definindo o que é essa dialética "sintomal" – ou sem síntese – que Bataille invoca a partir de sua leitura de Hegel e nos ajudando a pensar nosso tempo. Sou grata ao Tadeu Capistrano e toda equipe do MAR, mas também à tradução de Marcelo Jacques de Moraes, pelos esforços despendidos para aproximar esse pensamento tão vivo de nossa produção atual no Brasil.
Luís Henrique Pellanda
A queda do céu — Palavras de um xamã yanomami, Davi Kopenawa e Bruce Albert (Companhia das Letras)
Testemunho fundamental do xamã yanomami Davi Kopenawa ao etnólogo francês Bruce Albert. Partindo da infância do narrador, o livro fala do início de Kopenawa no xamanismo e de sua relação com os espíritos xapiri, fazendo uma denúncia inédita da invasão da floresta e da destruição dos indígenas pelos brancos — que os yanomami, sabiamente, chamam de “o povo da mercadoria”.
Cowboys do asfalto - Música sertaneja e modernização brasileira, Gustavo Alonso (Civilização Brasileira)
Ótima análise da história política, social, cultural e econômica brasileira, de meados do século 20 até os dias de hoje, feita a partir do estudo da nossa música sertaneja. O crescimento das cidades, o êxodo rural, o regime militar, a redemocratização, a Era Collor, a popularização da internet, tudo isso entra no livro do historiador Gustavo Alonso.
O nascimento de Joyci — Transexualidade, jornalismo e os limites entre repórter e personagem, Fabiana Moraes (Arquipélago Editorial)
Reportagem vencedora do Prêmio Esso de 2011. Fabiana Moraes acompanha de perto o percurso da ex-agricultora transexual Joicy Melo da Silva, nascida João Batista, moradora de Alagoinha, no interior pernambucano, e que conseguiu se operar aos 51 anos, pelo serviço público de saúde. O livro também trata da complexa relação que, às vezes, pode se estabelecer entre um repórter e o seu “personagem”.
Tanto tempo sem te ver, Ana Teresa Jardim (7 Letras)
Em 2015, Ana Teresa Jardim lançou um novo romance. Mas não só por isso o ano foi importante para ela. Ana Teresa também reeditou boa parte de sua obra pela 7 Letras: A mesa branca, No fio da noite e A cidade em fuga. São títulos que vão do conto curto ao romance policial ou de época. Trata-se do trabalho de uma autora realista, atenta e delicada, e que rejeita tudo aquilo que se convencionou chamar de “feminino”.
Sobreviventes do verão, Guilherme Tauil (Zepelim)
O jovem taubateano Guilherme Tauil nasceu para ser cronista. E a prova é este seu primeiro livro, uma seleção de textos que o autor publicou na Gazeta de Taubaté. De quebra, Sobreviventes do verão também é o título de estreia da Zepelim, outra criação de Tauil, editora independente que surge com a intenção de publicar apenas — ou principalmente — volumes de cronistas brasileiros.
Priscilla Campos
Assim começa o mal, de Javier Marías (Companhia das Letras)
Eduardo Muriel é um dos personagens mais importantes da literatura espanhola contemporânea. Marías em seu melhor.
Antologia da poesia erótica brasileira, de Eliane Robert Moraes (Org.) (Ateliê Editorial)
Livro extremamente necessário para a literatura brasileira. Eliane fez um trabalho de pesquisa atento e extenso; o resultado é grandioso.
Não há lugar para a lógica em Kassel, de Enrique Vila-Matas (Cosac Naify)
Depois de uma sequência de lançamentos medianos, Vila-Matas volta mais ranzinza e certeiro do que nunca; vale cada página.
O pai morto, de Donald Barthelme (Editora Rocco)
Enfim, a escrita alienígena de Barthelme chega ao Brasil. Entre a piada desesperada e o surrealismo, encontra-se a urgência literária do Pai Morto.
Stoner, de John Williams (Rádio Londres)
Através de linguagem íntegra e elegante, Williams constrói, talvez, um personagem que representa certo tipo de modelo moral definitivo na literatura.
Raimundo Carrero
Fernanflor, de Sidney Rocha (Iluminuras)
Uma novela muito bem escrita, explorando imagens e situações, à modo do expressionismo italiano. Mostra a maturidade literária do autor.
O amor das sombras, de Ronaldo Correia de Brito (Alfaguara)
Sem dúvida, um dos melhores lançamentos literários do ano no Brasil. Também num clima cinematográfico, os personagens vão emergindo com força e beleza
Jeito de matar lagartas, de Antônio Carlos Viana (Companhia das Letras)
O autor sergipano confirma suas grandes qualidades de qualidades de criador literário, sobretudo nas histórias breves. Frases curtas, ambientação noir, e personagens entre o dramático irônico formam o texto de Viana.
O ano em que vivi de literatura, de Paulo Scott (Editora Foz)
Adepto da escrita espontânea este autor gaúcho, escreve um romance em que a vida aflora com toda intensidade
Autobiografia poética, de Ferreira Gullar (Autêntica)
Um grande exercício sobre a criação literária, o concretismo e o neoconcretismo. A fabulação é própria de uma grande vida e de uma grande obra.
Schneider Carpeggiani
O vento que arrasa, de Selva Almada (Cosac Naify)
Esqueça Buenos Aires. O interior da Argentina é que está à meia-luz.
Tirza, de Arnon Grunberg (Rádio Londres)
Tolstói ainda tem razão: as famílias infelizes é que são as famílias de verdade.
Assim começa o mal, de Javier Marías (Companhia das Letars)
Javier Marías continua a nos ouvir. E a nos entender.
O livro das semelhanças, de Ana Martins Marques (Companhia das Letras)
"É dos solitários o amor".
O amor das sombras, de Ronaldo Correia de Brito (Alfaguara)
Sim, é verdade: o amor não tem bons sentimentos.