Ilustração por Karina Freitas

 

Eu escrevi e publiquei – me custa escrever sobre isso- um livro. Uma coisinha malformada, uma coisinha insignificante, sangrando ainda. Esse livro se tornou uma vergonha. Eu precisava atribuir essa vergonha a outra pessoa. Eu morava em Maceió e estava lendo uma revista sobre Fernando Pessoa. Pensei que poderia atribuir esses textos a outros escritores, muitos outros escritores, que eu estava livre e que podia escrever o que desejasse. A culpa seria deles. Nessa mesma semana eu havia escrito um texto:

 

“Penso escrever um conto em que um homem cria outro homem através dos corpos de escritores mortos. Penso escrever um conto sobre um homem que é enterrado em um balão. Penso escrever um conto sobre um homem que usa a pele como uniforme militar. Penso escrever um conto sobre um homem de trinta anos. É careca. Tem as mãos pequenas como as de um menino. Assim, tem, em si, o velho, a criança e o adulto. Penso escrever um conto sobre um homem que cria um alfabeto a partir das notas musicais; dó, ré, mi, fá, sol, lá, si; e fica louco. Penso escrever um conto só para usar a frase ‘silêncio de postes queimados’. Penso escrever um conto onde surgem corpos de dentro de outros corpos: o peito do pé, o pé do ouvido, as costas das mãos, a barriga grávida da perna e a boca faminta do estômago. Penso escrever um conto sobre um soldado julgado e condenado por deserção. A maneira: suicídio. Penso escrever um conto de ficção científica que demore exatos oito minutos para ser lido. O mesmo tempo que a luz do Sol leva para chegar até a Terra. Penso escrever um conto sobre um homem que retira todas as suas falas de óperas famosas. Penso escrever um conto sobre um homem que escreve um conto sobre manuais de desajuda. E não penso em mais nada.”

 

Isso foi o começo do blog Livros que você precisa ler. O primeiro leitor foi o crítico literário baiano Antônio Marcos Pereira. A quem agradeço. Os personagens – me custa escrever sobre isso porque em certa medida eles são eu e eu é um outro – , quase que invariavelmente, são pessoas preocupadas com a morte e com a existência de Deus. São escritores que querem abarcar o mundo com suas histórias e não conseguem. O mundo é sempre maior. A Literatura muitas vezes é esse bicho empalhado, essa onça estranha.

 

O sentimento de falhança.

 

Meu pai morreu. Voltei ao Recife.

 

Os trechos dos livros citados no blog eram, no começo, retirados de contos antigos, histórias natimortas. O distanciamento, a atribuição, me permitiam usar a ironia sobre o que eu próprio havia escrito. Um pouco de humor, talvez. Era como rir do jeito do próprio filho.

 

Me perdi nesse texto. Perdi esse texto. 03/12/2012

 

O que eu queria com esse texto de ontem? O texto é sobre uma fuga. Uma fuga da minha responsabilidade, a responsabilidade do ato de escrever. A literatura é uma fuga. A literatura é um achar-se. É as duas coisas. 04/01/2013

 

“A incapacidade da literatura de abarcar a vida. A incapacidade da vida de abarcar o eterno. Dois gêmeos incapazes.” Walter P. Peixoto. 04/01/2013

 

“O blog foi tomando forma e construindo seu universo próprio. Ele apresenta obras fictícias e as apresenta de acordo com a forma característica dos manuais do tipo ‘501 lugares que você precisa conhecer antes de morrer’, ‘501 livros que você precisar ler antes de bater as botas’: um breve comentário, alguns trechos selecionados da obra fictícia e a sua capa. O Livros que você precisa ler, como bem disse o crítico literário Julian Cardoni, busca “discutir a relação entre Literatura clássica e consumo literário de massa e utilizar essa angulação como ponto de partida para explorar as potencialidades ficcionais de gêneros associados ao campo literário como o press release, o blurb, a minibiografia anexada à orelha dos livros. Ou seja, o aparato que serve como estrutura de mediação entre leitores e obras.” Walter P. Peixoto. Texto enviado por e-mail em 05/01/2013.

 

Penso que a história do Livros que você precisa ler possa ser lida como uma história sobre o desejo, sobre a urgência e, sobretudo, sobre a frustração.

 

Abro o blog e leio o primeiro post, escrito em 10/08/2008: “E daqui, de dentro dessas entranhas, narro as minhas experiências futuras e passadas.” Rio de mim. Rio de quem eu era. O blog quer ser um livro. O blog é um livro com entranhas espalhadas pelo passado e pelo futuro. 06/01/2013

 

Rio de quem eu sou. 07/01/2013.

 

Me custa escrever sobre tudo isso. 08/01/2013.

 

Penso em escrever um e-mail para o editor do suplemento Pernambuco. Penso em pedir desculpas por falhar em escrever a coluna Bastidoresdo mês de fevereiro. 09/01/2013