Minhas resoluções na virada para 2017 foram arranjar um namorado, mudar de casa e escrever um livro. Das três, realizei só a última.
Falei para minha mãe que queria escrever um livro até o fim do ano. Ela respondeu que seria bom se até o fim do ano eu conseguisse um emprego. (Consegui.)
Tentei escrever um romance. Eu tinha alguns fragmentos, e queria juntar tudo em um bildungsroman porto-alegrense, que agradeço por ter fracassado. Pensando bem, consegui produzir um bildungslivro-de-contos porto-alegrense. O único trecho que sobreviveu do romance se transformou no conto Se me coubesse ficaria, em formato de conversa de WhatsApp.
A ideia de escrever contos veio do meu Google Drive. Eu tinha vários prontos, e a maioria deles era sobre a experiência homossexual jovem. Porque sou um homossexual jovem. Parecia o caminho mais fácil.
Queria ter o livro pronto até o fim do ano. Quase consegui. Queria me inscrever no Prêmio Sesc, e as inscrições iam até a metade de fevereiro de 2018. A partir de julho, debrucei-me sobre o livro, escrevendo às pressas para me inscrever no concurso. A maioria dos contos é dessa época mesmo. Outros, como falei, eram antigos. Outros ainda eram antigos também, mas não se encaixavam na temática, e tive que encontrar minhas maneiras. Tentei costurar tudo através do ordenamento, de alguns personagens que se repetem, de arcos comuns. Ficou uma baguncinha. Que bom.
Contei para uma amiga que o nome do livro seria A razão pela qual eu nasci, título do último conto. Ela disse que o título era um lixo. Ninguém queria saber a razão pela qual eu nasci. É verdade. Deixei As coisas, uma referência sutil a um dos contos, “As coisas que a gente faz pra gozar”. Ela reclamou que era muito genérico. É verdade também.
Quando falei para minha mãe que tinha terminado o livro, ela disse que seria bom se eu conseguisse um emprego (porque eu já tinha saído do emprego anterior, precisava de um novo.) (Consegui.)
E mandei o livro para minhas editoras preferidas. A única que respondeu foi a Não-, mui gentilmente dizendo que quem sabe um dia.
Fiquei uns seis meses quase sem escrever, mas lendo um livro atrás do outro. Não sabia se alguma editora iria me querer (ou mal sabia que é quase impossível ter um livro publicado mandando um e-mail para companhia das letras arroba gmail ponto com), e pensava que iria publicar de maneira independente. Aí veio o Prêmio Sesc. Soube que o livro tinha ganhado logo no Dia dos Namorados, e eu estava solteiro, mesmo tendo renovado a resolução em 2018 (sem sucesso.)
Foi legal. Minha mãe disse que sempre tinha me apoiado. Fui para a Flip. Livro publicado pela Record.
O livro passou por um processo de edição após o anúncio do prêmio, um processo quase todo meu. A editora fez sugestões de padronização, mas quase nenhuma de conteúdo. Eu queria um livro impecável. Juliana Leite e Daniel Galera, dois dos primeiros leitores, sugeriram de eu cortar uns três contos, que, segundo eles, funcionavam menos, eram melosos demais para um livro muito frio. Resolvi cortar só dois, deixando o terceiro, O pai, que, por algum motivo, é o conto de que a maioria das pessoas gosta mais. Uns outros ali, se editasse hoje, eu tiraria (já acho insuportável o que se chama Água) Já havia mutilado o livro depois do prêmio, e achei que poderia fazer um estrago se continuasse com os cortes. Além disso, fiquei com medo de deixar o livro com menos caracteres do que o exigido pelo edital do prêmio. Vai que me cassassem depois.
Claro, eu gosto do meu livro. Já sinto que poderia escrever melhor, mas me orgulho de vários contos. Os mais mais: Cantiga de roda, Maldito, As coisas que a gente faz pra gozar, Sauna nº 3 e Arrebol, ainda que, nesse último, haja um diálogo que já me parece pouco verossímil.
Talvez eu não imaginasse, quando escrevi, que as pessoas iriam interpretar o livro de uma forma tão literal, como se fosse autoficção. Teve até resenhista que mudou a percepção por causa disso. Nunca imaginei o livro como funcionando em um universo autobiográfico, ou que isso seria relevante para a percepção do leitor.
Houve amigos e parentes que ficaram incomodados por achar que um ou outro conto eram parecidos demais com a realidade que me cerca. Houve gente que identificou traços meus em alguma parte do livro, e que supôs que tudo era eu. Houve gente que achou que eu me expus.
E me expus. Pus um livro no mundo. Que bom que as livrarias estão abraçando o As coisas como ficção.
Minhas resoluções na virada para 1964 foram arranjar um namorado, mudar de casa e escrever um livro. A ver quantas consigo realizar.
>> Tobias Carvalho é escritor. Lançou o livro de contos As coisas