Na próxima quarta-feira (1°), será lançado em São Paulo o livro O método Albertine, da escritora e pesquisadora canadense Anne Carson, pela Edições Jabuticaba. A tradução é da escritora e ensaísta Vilma Arêas.
Essa é, talvez, a primeira obra de Carson traduzida no Brasil em livro impresso. Da primeira à última página, O método Albertine trava uma queda de braço com Em busca do tempo perdido, de Proust. O ponto óbvio entre ambos é Albertine, a personagem encarcerada pelo narrador da obra de Proust. É dividida em duas partes: na primeira, são elencadas 59 reflexões rápidas sobre a figura de Albertine na trama; na segunda parte, há apêndices com reflexões mais extensas e profundas que as da primeira parte. O livro, como um todo, emula um trabalho ensaístico.
Mas essa descrição é sumária e não dá conta do curto livro de Carson. É uma obra estranha, de difícil classificação. Seu tom racional deixa entrever complexidades profundas, impossíveis de serem apreciadas em apenas uma leitura: suas intertextualidades, a estrutura fragmentada, as formas pelas quais as emoções “vazam” por entre as frases sóbrias e outros fatores - tudo isso vêm em um nível de difícil apreensão. Talvez seja esse mesmo o "método Albertine": o esforço para tentar acolher uma obra literária.
Apesar de ser esfinge, “O método Albertine” não demanda conhecimento prévio da obra de Proust, nem se revela leitura enfadonha. Trata-se de uma ficção que se mantém próxima ao leitor.
O inédito deste sábado traz um trecho da obra. Dois pequenos excertos que servem como amostra do teor de “O método Albertine”. Na segunda-feira (30), publicaremos uma conversa com Vilma Arêas sobre essa obra de difícil domesticação.
8.
Os problemas de Albertine (do ponto de vista do narrador) são
(a) mentir
(b) lesbianismo
e (do ponto de vista de Albertine)
(a) ter sido aprisionada na casa do narrador
9.
O mau gosto dela quanto à música, embora diversas vezes observado, não constitui um problema.
10.
Albertine não chama jamais o narrador pelo nome no livro. Qualquer outro personagem também não. O narrador insinua que seu nome poderia ser o mesmo nome do autor do romance, i.e. Marcel. Fiquemos com isso.
11.
Albertine nega que seja lésbica quando questionada por Marcel.
12.
Todas as suas amigas são lésbicas.
13.
Suas negativas o fascinam.
***
apêndice 21 sobre freiras
O importante bolinho chamado madeleine foi inventado por um rei deposto da Polônia cuja chef de pastelaria se chamava Madeleine. Consequentemente as madeleines eram feitas por uma ordem de freiras que usavam a receita original, até que a Revolução Francesa aboliu os conventos. Hoje pode-se conseguir a receita por meio de Julia Child ou pela internet. É estranho e provavelmente acidental o fato de que a outra famosa Madeleine de nossa herança cultural, a heroína de Vertigo [nota 1] de Hitchcock, morra de uma queda da torre de uma igreja, assombrada por uma freira no final do filme. Poderíamos, em geral, ponderar sobre o grau de familiaridade de Hitchcock com o romance de Proust; certamente o filme nos mergulha em problema de memória e tempo enquanto caracteriza uma heroína que morre duas vezes e cuja capacidade de sedução é assegurada por mentiras constantes, ou melhor, por um blefe gigantesco. Ao mesmo tempo seria interessante pensar que Proust viu Vertigo, na medida em que os momentos finais de seu romance são absolutamente tomados por esta sensação. Na última página Marcel contempla a tarefa da escrita diante de si e confessa: “um sentimento de vertigem se apoderou de mim quando vi abaixo e não obstante dentro de mim, como se eu tivesse quilômetros de altura, tantos anos”.
[nota 1] Um corpo que cai, tradução brasileira (nota da tradutora)