Durante alguns anos tive vergonha de frequentar a academia, e mais vergonha tinha de dizer que a frequentava. Não, não me sentia parte dela, e quando sentia prazer em estar ali, desfrutando dos seus limitados, porém relevantes, recursos, tentava disfarçar, assobiando uma sonatina, pigarreando, saindo de banda.
Dizem que foi um senhor sueco o inventor da Academia. Um sueco de Uppsala. Mas o nome vem da Grécia. Academia foi primeiro um pequeno bosque ou jardim onde Platão organizava encontros com seus discípulos. Isso foi em 387 antes de Cristo nascer. O espaço, jardim ou bosque, teria pertencido a um sujeito que atendia pelo nome Academo, teria sido um herói ático ou coisa parecida. Reza a lenda mitológica que Academo revelou aos irmãos de Helena onde ela estava mantida cativa por Teseu.
É boa a imagem da revelação do cativeiro por Academo, diz mais do que mostra e mostra mais do que é dado a interpretar. Seria bom que as academias fossem espaços de revelação, jardins ou bosques, pouco importa, onde a luz cruel ou benfazeja do mundo sublunar possa entrar, antes que a luz de “Jesus te ama” invada tudo e nos engula e nos vomite numa terra de emboscadas e pouco bosque, nenhuma saúde e muita saudade do que poderíamos ter sido e não fomos.
Outra leitura da revelação acadêmica: espécie de disque-polícia, na qual uma voz de parte alguma vem dizer que uma mulher está mantida em cativeiro, encontrável presa, amarrada e confusa em seu próprio labirinto de indagações. Eu particularmente adoro. Sem ironia aqui. Como a Alice do coelho, eu só queria ver o jardim… e o cativeiro, claro.
Eu só queria poder atravessar este jardim da crônica hasteando a minha bandeira de defesa da academia. Não a das reflexões, mas a das flexões. Mas sem falsas contradições, já que o cérebro também é um músculo. Numa, como noutra, há gente cansada e suando, gente nova, velha, estropiada, no centro surdo da paixão ou em solidão silente, gente meio mortiça e gente cheia de gás. Gente que ri e gente que não ri nunca. Eu particularmente adoro, sem ironia aqui. Mas levou tempo.
Se na academia derivada do jardim das delícias platônicas há sempre aquela aula que a todos atrai e fica lotada semestre após semestre — mesmo que a professora ou professor ou professore assuste um pouco e dê uns gritos —, na academia derivada das invencionices do sueco de Uppsala — procurem na internet fotos de mulheres de vestidos pretos tipo abajur puxando ferro, são lindas, mesmo — há aquele leg press que todo mundo quer usar e produz fila, tensão e ira.
Nas duas academias há turistas, que são basicamente toda espécie de gente que não se sente pertencendo ao mundo acadêmico. Estão ali, mas seria mais natural não estarem lá. Seu pensamento vagueia, mas algo nesse pessoal os mantém firmes, amantes cativos de uma certa ideia de saúde física que nunca alcançarão. É tudo demasiado humano, adolescentes tentando descobrir sua hybris, fico pasma com a vitalidade do pessoal que não tem uma perna, os braços, com os velhos e as velhas correndo na esteira, rindo das piadas tolas do coach.
Ah, o coach, na antiga terminologia da área ele era conhecido como “instrutor de academia”. Eles e elas são a alegria da garotada de 70 plus e também o horror de alguns frequentadores. Fujo deles como o diabo da cruz. Evito contato de olhar, sorrio apertando os olhos para não dar mole. Mas há quem precise e os queira sempre junto. E de fato, o instrutor é um pouco a alma do negócio. É bom que haja uma equipe diversa, que atenda a todos os gostos. Há quem goste do coach mala, do piadista inveterado, do coach tipo amiga íntima ou biba fofoqueira que te insulta elogiando e te elogia insultando. Juro que funciona.
De rabo de olho vejo como se entregam ao trabalho de prover energia aos preguiçosos, vitalidade nos mortiços e otimismo aos que precisam ou querem perder peso ou ganhar músculos. Jesus te ama mas o coach é que fará de você um verdadeiro acadêmico, um aluno diligente e pontual, que realiza cada movimento sem tapeação.
Um subtema: academia brasileira versus academia europeia. Pensem só: no velho mundo tem gente na academia e meia, quase de pijama, de calça jeans, camisa formal e sapato de couro. Nem nos nossos mais estranhos pesadelos… Mas há vantagens em não precisar usar fardão. Bom, tudo vale a pena se a alma não é pequena. O importante é puxar ferro. O importante é não morrer antes da hora.
Minha academia tem um plus entusiasmante: uma sauna. Aliás, uma não, duas. Não há Jesus Cristo que nos salve do inverno holandês, essa coisa gosmenta e pantanosa que não termina nunca de acabar. Só a sauna salva. Nem coach nem fé, a sauna é o meu momento-atlântida, a minha vereda tropical, o meu sol engarrafado, minha novela, minha cachaça.
Toda academia tem uma sauna, ou duas. Inclusive a platônica. Inclusive a universitária. A sauna às vezes é só um livro, um livrozinho, aquele lido no curso que talvez você nem tenha levado tão a sério, mas um livro que te mantêm cativa o curso inteiro, a vida inteira, no cativeiro tropical sem coach, sem coelho, mas com buracos, e quedas, e quedas dentro da queda. O outro nome da revelação. Mais não digo.