ilustração crônica LauraErber WEB

 

VOCÊ VERÁ O BRASIL
à maneira de Raúl Zurita


Você verá pedras tão redondas
Você verá ilhas no mar
Você verá o crepitar da lenha
Você verá vigas à mostra
Você verá o beco
Você verá corpos cansados
Você verá pessoas em fuga
Você não verá Deus
Você verá todos os verdes
Você verá marcas de sangue na calçada
Você verá as mil formas do desejo
Você verá seu ódio
Você verá o que não fala
Você verá os olhos d’água
Você verá quem não vê nada
Você verá restos do museu incendiado
Você verá sombra na aragem
Você verá a ternura
Você verá tudo o que perdeu
Você verá sem ter de olhar
Você verá quem te guardou quem te traiu
Você verá terras sem fim
Você verá o lago das capivaras
Você verá seus olhos que veem
Você verá os cumes e as chapadas
Você verá mares de carros
Você verá o azul de abril
Você verá as samambaias
Você verá sua própria sombra dentro da noite que não passa
Você verá ainda sob a tempestade
Você verá a terra que falta
Você verá depois do desespero e depois
Você vai ver polícia em toda parte
Você verá o roteiro mais lúbrico
Você vai suspirar
Você vai ver que não viu nada
E você vai chorar

 

***

SOBRE O POEMA
Este poema foi deflagrado pela leitura de Diálogo con Chile, de Raúl Zurita. Pode ser lido como um eco ou flexão de nossa inquietude diante do horror e da beleza de países marcados por uma história de violência que se atualiza e se renova. São países com os quais nunca paramos de tentar dialogar, sonhar e sentir em suas contradições alucinantes.