Crônica Vitor Fugita

 

A língua não para de se mover, coisa de louco. A nossa se move quando chupa o caju e o cambucá, embora nem todo mundo conheça o gosto, a língua diz e sabe mais do que dizemos, nosso mel de melado, nosso prumo, nosso istmo, língua preguiçosa, crua, doce e braba. As alterações na língua, em toda língua, levam tempo até serem notadas a olho nu. Sinto informar, mas esta crônica não trata de linguagem neutra ou não binária. Talvez também fale disso, sem no entanto entrar no tema, sobre o qual não sou versada, sigo estudando. O tema do “textículo” (obrigada, Macunaíma) é tesão. O tema também é sexualização do texto e textualização do sexo. Tesão e flexão de gênero.

Vítima é sempre palavra feminina, mesmo que o vitimado seja um homem. Por sua vez, o cônjuge (e sua variante “conge”) é sempre palavra masculina, mesmo que se fale da mulher. A língua é simples e maravilhosa, é um escândalo de ordem e confusão. Outra coisa divertida são os substantivos epicenos. A vespa e o ornitorrinco.

Não sei vocês, mas até não muito tempo atrás eu costumava alternar A tesão e O tesão, tanto na fala, quanto por escrito, mais ou menos levianamente. Acompanhava-me uma duvidazinha sobre o que seria mais correto. Naturalmente, nada que tirasse o sono ou fizesse o desejo alucinar. Há quem titubeie de maneira semelhante a respeito de A personagem e O personagem. A personagem parece vir de livros meio velhos, ou seria um espectro circulando dentro de uma sala de aula vazia. Com tesão a coisa é mais complicada.

O Wikicionário informa, através de uma singela “nota gramatical” sobre tesão: “embora haja quem a use no feminino, no Brasil, é mais utilizada como masculino (única forma aceita por dicionários como o Houaiss); em Portugal, embora os dicionários a classifiquem como masculina, tem uso como feminina.” Os dicionários Aulete, Aurélio e Michaelis classificam o termo como substantivo masculino. O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, registra tesão como substantivo comum de dois gêneros.

Assim de orelhada, a palavra talvez tivesse potencial pra ser só feminina, já que no português brasileiro, praticamente todos os nomes abstratos terminados em “ão” são femininos. A emoção, a comoção, a excitação, a decepção, a frustração, a irritação, a sofreguidão. Palavra puxa palavra, a tesão.

Ocorre que de barba e bigode, o tesão fica certamente mais próximo do pau, o pênis, o pinto, ele mesmo, e mais distante daquilo que aflora no aparato sensitivo feminino. É difícil imaginar um Dom Casmurro ou o ilustre Conselheiro Aires sentindo uma tesão, mas pode-se cogitar que pelo menos uma vez tenham sentido o maior tesão. Machado era maravilhoso, inclusive nisso, criou os melhores personagens desvirilizados, homens tristes, sem tesão e pouco tesudos.

No português, o masculino é gênero prototípico, é o gênero genérico, o que não precisa ser marcado, às vezes chegando a fazer crer que o feminino seja produto de sua flexão. E as pirocas e vergas que se cuidem, pois piroco tem sido cada vez mais usado.

O tesão assim masculinizado faz pensar: terá sido um caso de “resíduo semântico”? Ou o fato de que o tesão masculino (do homem, a pessoa) seja mais fisiologicamente explícito que a tesão feminina (da mulher, gente, nós mesmas) terá influenciado o surgimento do tesão? Tesão como sinônimo de ereção? Em todo caso, e sem nenhum grande argumento, preciso dizer que A tesão é palavra infinitamente mais tesuda que O tesão.

Será que no futuro teremos de lutar pela permanência de alguma ambiguidade ou confusãozinha, entre gênero sexual e gênero gramatical? Digo, lutar pela permanência de o clitóris, o útero, o seio, a verga?

Pesquisa rápida e aleatória sobre o tema revelou as seguintes predileções: Cecília Floresta, o tesão, Sérgio Sant’Anna, o tesão, Ana Cristina Cesar, a tesão, Hilda Hilst, o tesão, Revista TPM, a tesão, Carlos Drummond de Andrade, o tesão. João Cabral de Melo Neto, a tesão, poetas portugueses Manuel de Freitas e Miguel Martins, a tesão.

No célebre poema O elixir do pajé, espécie de vade mecum para curar brochadas escrito por Bernardo Guimarães no século XIX, fala-se de um “santo elixir da tesão”. E termino o voo rasante pela literatura nacional com Waly Salomão porque também rima: “uma energia tonta os sentidos tontos a ideia tonta o juíza tonto a tesão tonta uma cabeça de lanceira um sangue quente”.

Independente do gênero, tesão ainda rima com eleição. Olho vivo, o Brasil carece de uma flexão de sonho, advérbio de intensidades boas, substantivo concreto feito comida no prato e abstrato feito dignidade. A julgar pelo redivivo carnaval em meio ao caos, apesar de tanta arminha e da mais bruta miséria, tesão, ainda não falta.