A poesia pernambucana segue os movimentos da cidade. Após a Estação Central, a chamada Geração 65 tem como um de seus principais “portos” o conhecido Bar Savoy, em cujo prédio ainda deve existir na parede os versos em azulejo de Carlos Pena Filho: Nas mesas do Bar Savoy,/ o refrão tem sido assim:/ São trinta copos de chopp,/ são trinta homens sentados,/ trezentos desejos presos,/ trinta mil sonhos frustrados. A decadência do Centro do Recife faz a poesia desertar para outros espaços, até ancorar na Livro 7, de Tarcísio Pereira. Ali circulavam livros e folhetos quase sempre editados pelo poeta Jaci Bezerra. Era a poesia fechando o círculo perfeito e sempre em movimento do poema de César Leal.
MOTO PERPÉTUO
César Leal
O círculo perfeito
as agulhas mais altas
a inquietude do vento
roçando as asas n’água
este rodar da Terra
nos diz a cada dia
como o Tempo navega
e nunca se fatiga
os pássaros despertam
e trazem sempre o canto
pelo teu sono as águas
e barcos navegando
a solidão do mundo
antes do mar formado
a luz do Sol nos montes
o azul a cor do espaço
a Terra tão pequena
na imensidão do Tempo
todo o Universo vivo
e sempre em movimento!
A ANNA AKHMÁTOVA
Lenilde Freitas
Janelas abertas para o longe
Ou para o perto que também não existe.
Aquelas que dormem nem adivinham
Vultos pelo pátio assombrado e triste.
Olhos vigiam nossos sonhos.
A paz esteve aqui
e não soubemos.
Além das janelas
os sonhos são outros
de línguas estranhas
que não entendemos.
PASSOU POR MIM
Deborah Brennand
E não deu boa-noite.
Corri então para o lado oposto
e disse a minha mãe ‒ Ele passou.
Chorei, chorei até o amanhecer.
Surda como se surda fosse,
minha mãe continuou
bordando no linho vermelho
uma lua de negra redondez.
Depois chorou.
OUTRA BALEIA DE MURILO MENDES
Marco Polo Guimarães
a baleia é uma bala
de calibre grosso
disparada em velocidade de sonho
pelo ventre múltiplo do mar.
a baleia é um petardo
liquefeito
perfeito como um deus, irrisório
como um cisco.
a baleia é tudo:
espiral de vento perfumado, risada
de criança à beira do poço escuro
e frio.
a baleia é rio
e uma ponte.
é também uma baleia
com todas as letras, viva,
inóspita e profunda.
a baleia é um mundo
murmurante.
um monumento à dor humana.
OBJETO
José Mário Rodrigues
É ofício do morto
fechar os olhos.
Ele não precisa
do pranto de ninguém.
É ofício do morto
silenciar a dor
não dissimular
a ausência
nem a frieza de suas mãos.
O morto não precisa
de flores nem de reza.
O morto é objeto
do que foi desejo.
CANTO DE EXALTAÇÃO A JOAQUIM CARDOZO (V)
Waldemar Lopes
Régua, compasso, regra usaste, embora não
corrigindo a emoção, mas sempre reurdindo
o equilíbrio/harmonia, em que o vazio, o vão
têm a sua função, sombra da luz subindo.
Que viste, pois, na morte? O simples fim infindo.
Mesmo no azul em ponto, a escura antevisão
‒ partir, disseste, enquanto é noite (ou dia?) ‒, abrindo
sobre a terra salgada áreas/recordação.
Foi teu o trem mistério. Era a fábula plástica,
tua álgebra estelar, a aventura fantástica
das galáxias afins; em suprema altitude,
era, trans/figurada a equação da verdade:
no AnteDepois da morte, a perfeita unidade
do ser, na solidão da extrema infinitude.
INTERPRETAÇÃO DE EDSON NERY DA FONSECA
Jaci Bezerra
Em qualquer livro
fala o que no homem é alma.
A edição não importa,
no livro o que importa
é a alma nele impressa
e que, íntima e sem pressa,
entre a sombra e a réstia,
ao abrir as janelas
toda inteira se entrega
a outra alma, e conversa
devagar e sem pressa.
Um livro, qualquer livro,
mais que o homem, é vivo.
Objeto mais forte
do que o tempo e a morte.
Coração do que foi,
é o ontem e o depois
batendo, delicados,
seja aberto ou fechado.
Onde quer que se ponha,
um livro pensa e sonha.
N.B.
{Estação Recife teve à frente Heloísa Arcoverde (Fundação de Cultura Cidade do Recife), organizadores Pedro Américo de Farias, José Carlos Targino, Everardo Norões + o apoio de Marcelo Batalha}