Esbarrei, na saída do metrô, com Bety Areia, que, nos anos 1970, trabalhou comigo na reportagem do Diário de Notícias. Abraçou-me com uma paixão exagerada. Fomos colegas na reportagem policial, mas tínhamos divergências ásperas e mal nos falávamos.
Ao me abraçar, nela senti um inesperado afeto que, só depois entendi, não era afeto, mas medo. “Você chegou na hora certa”, me disse, em tom de ameaça. Continuava agarrada a meus ombros, suas unhas me feriam e seus dentes rangiam. “Só você pode me salvar”, murmurou.
Primeiro, me veio o sentimento de compaixão, que me incomoda, pois nunca sei se ele é, apenas, um disfarce da cegueira. Depois, ele se transformou em curiosidade, talvez sádica. Por fim, eu me senti inseguro, certo de que pisava um alçapão.
Lembrei-me do senhor Laurito, nosso chefe de reportagem, já falecido, que era leitor de Dante e nos tratava às marteladas. Nosso chefe era um terrorista: seu método era o terror psicológico. Todos sofríamos em suas mãos peludas, mas Bety Areia, porque era movediça e sensível, sofria ainda mais.
A memória do senhor Laurito me levou a fraquejar. Bety me convidou para subir até seu apartamento, a duas quadras dali, e aceitei. Só então notei que ela andava com dificuldades. Nas escadas, ofegou. Temi pelo pior, mesmo sem saber o que seria o pior. O pior já estava a meu lado, mas eu não suportava ver.
Já no hall de entrada, ainda me perguntou: “Você tem medo de cachorro?” Eram dois pastores de grande porte, me advertiu, e não tinha onde trancá-los. Imaginei uma quitinete, encontrei um amplo apartamento de três quartos. Bety Areia parecia ter hóspedes: dois homens, de pijamas, jogavam carteado na sala e uma mulher, debruçada em uma janela, lixava as unhas. “São meus inquilinos”, me disse. Nenhum deles me cumprimentou.
“Eles ocupam os três quartos do apartamento”, Bety comentou quando entramos na cozinha. “Eu vivo com os cachorros no quarto de empregada”. A porta do quarto estava trancada a cadeado. Assim que a abriu, dois pastores negros saltaram sobre ela. Mais uma vez, como em um pesadelo invertido, fui ignorado.
Entramos. Uma cama muito estreita, sobre a qual os dois cães logo se aninharam, se estendia ao longo da parede. Ao lado, havia um baú, um chapeleiro coberto de roupas e um espelho oval fosco e com a moldura rachada. Só um abajur iluminava o ambiente. É verdade que duas velas embaciadas estavam acesas sobre o aparador. A escuridão, que parecia proceder dos cachorros, dominava tudo.
Bety Areia ainda tentou ajeitar os cabelos, mas o espelho ficava em um ângulo inacessível. Refletia, se tanto, a parede oposta. Talvez só refletisse a si mesmo. Tentava me seduzir? Antes que a dúvida improvável se instalasse em meu espírito, ela me disse: “Preciso me confessar”.
Sem meu consentimento, tratando-me como ninguém, começou: “Perdi meu último emprego. Ninguém acredita em mim. Não consigo mais me concentrar, só penso nas vozes de meus cães”. Antes que eu retrucasse que cachorros não falam, me alertou: “Nós nos comunicamos através do silêncio”.
Em duas semanas, o apartamento seria interditado pela Justiça. “Fui despejada”. Antes disso, teria que dispensar seus inquilinos, torcer para que lhe pagassem o que deviam, e ir embora. Só depois da revelação, lembrei que, na área de serviço, havia uma trouxa largada no chão.
Os cachorros, grandes e deprimidos, me encaravam. Pareciam entender nossa conversa, ou, pelo menos, compreender que uma desgraça muito grave se abatia sobre a dona. De fato falariam? Entendiam que ela sofria e, por isso, como bons cachorros, sofriam também. “Nada comem além de pão”, ela me disse.
Um dos homens que jogava carteado, sem forçar a porta, gritou: “Não vai dizer que a cerveja está quente”. Bety Areia nem chegou a responder, começou a chorar. O homem se afastou xingando: “Não dá mais, não dá mais”. Bety, por fim, balbuciou: “Tenho que partir hoje mesmo”.
Não havia o que dizer, qualquer palavra seria apenas um disfarce para a fuga. Silenciei e esperei. Em outras palavras e de outra maneira: fugi. Uma fuga para dentro, covarde, nojenta. Se Bety Areia não conseguia agir, eu, a meu modo, também não. Na miséria, nos igualávamos.
A imobilidade se espalhou pelo ar como um bafo. No espelho fosco da parede, em que eu mal me via, cristalizava-se – como em um relógio quebrado – a impossibilidade de um futuro. Nossa miséria era isso: ela se afogava, eu a observava, mas um deserto – um abismo – se estendia entre nós.
“Eles não têm nada de seu. Só apostam cigarros. Terão que ir para as ruas também”, Bety se lamentou. Também ela só tinha os dois cachorros, mais nada. Tales e Ulisses, deles não se afastaria jamais. “Vamos dormir nas ruas abraçados, assim ninguém me amola.”
Tomou coragem e, por fim, me fez um pedido: se eu não me interessaria em comprar seu ventilador. “Na rua, não me servirá de nada.” Hesitei, pois não gosto de ventiladores, mas perguntei o preço e comprei. Estava coberto de poeira.
Emocionada, Bety Areia me beijou as mãos. O papel de santo me dava náuseas. Ainda esboçou uma reverência que, se eu não recuasse a tempo, terminaria em meus pés. Sim, ela tentou beijá-los. Quase vomitei.
“Não esqueça seu ventilador”, gritou quando eu já atravessava a cozinha. Caindo em mim, voltei e a ajudei a descer, agarrada a sua trouxa e arrastando os dois cães. Não teria um colchão, mas levava consigo o travesseiro.
Andamos na direção da ferroviária. Até que escolheu uma esquina em que havia o toldo de uma barbearia fechada. Ali a deixei. Na despedida, ainda lhe dei um beijo no rosto e todo o trocado que carregava comigo. Ao contrário da mulher de Ló, no Gênesis, não olhei para trás. Antes tivesse olhado.
Ainda me lembrei das velas que ficaram acesas no quarto de Bety Areia, em uma prece inútil. Também minha presença não servira para nada. Ocorreu-me, então, uma frase de Dante, que li em algum lugar: “ó vós que entrais, abandonai toda a esperança”.
Não preciso dizer que o ventilador que Bety Areia me vendeu já não funcionava mais.